1. Pronto, então já é oficial. O Secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, tornou pública a decisão que Passos Coelho já tomara há mais de seis meses, rompendo o compromisso estratégico assumido pelo governo anterior e reiterado numa primeira fase pelo seu, de fazer transferir para o Convento de S. Bento de Cástris em Évora, o Museu da Música , instalado desde 1994 em dois pavilhões da ala poente da Estação de Metro do Alto dos Moinhos, local onde, com um contrato precário até este ano de 2014 «nunca teve oportunidade de mostrar todo o acervo».
Recorde-se que a resolução fora tomada em finais de 2009 pela ministra da Cultura socialista, Gabriela Canavilhas, pianista, licenciada em Ciências Musicais e professora do Conservatório Nacional, e que a mesma veio a ser confirmada por Francisco José Viegas, primeiro Secretário de Estado da Cultura da actual maioria, na condição de independente, licenciado em Estudos Portugueses, escritor, jornalista, e fora assistente de Linguística na Universidade de Évora entre 1983-1987.
A sua passagem pelo executivo, a qual se iniciou em finais de 2011, não teve carácter duradouro, cedo se tendo apercebido que o cargo não tinha peso político e que como tal se iria limitar a cumprir ordens. Em Outubro de 2012 foi internado na sequência de uma indisposição e quando saiu do Hospital aproveitou para pedir a demissão «por razões de saúde». Em Évora os responsáveis pela cultura não tomaram em devida conta as previsíveis consequências que a sua substituição por Jorge Barreto Xavier iria acarretar para os projectos em curso na cidade, nomeadamente no caso do Museu da Música.
Évora perdera um amigo da cidade, um homem de cultura, que assim que tomou posse do cargo, reassumiu o compromisso de Gabriela Canavilhas e garantiu que este só não teria início em 2012 por dificuldades financeiras, mas ao qual viria a ser dado cumprimento logo que houvesse condições. Ora o perfil de Jorge Barreto Xavier, se tivesse sido analisado com minúcia e alvo de reflexão aturada - como se faz na boa prática jornalística - pelos responsáveis locais, aconselhava a não descurar o assunto e a exigir desde logo que este se definisse com clareza sobre se mantinha a sua fidelidade ao compromisso para com Évora.
2. Ora bem, o goês Jorge Xavier Barreto é um tecnocrata cujas ligações com a cultura são laterais. Licenciado em Direito era professor no Instituto Superior de Ciências da Empresa do e do Trabalho (ISCTE) e fizera uma pós-graduação em Gestão das Artes no Instituto de Administração Nacional tendo vindo a ser Director Geral das Artes entre 2008 e 2010, onde se notabilizaria pelo rigor orçamental e pela obediência aos seus superiores na hierarquia do Estado, com uma passagem ainda pela Câmara de Oeiras onde fora vereador da Cultura. O negócio dele eram números e não valores estéticos ou artísticos.
Para Pedro Passos Coelho ele era pois o homem certo para o desempenho da função. Sem discutir ordens, nem políticas culturais, revelou-se como o grande obreiro da política de cortes cegos no sector, na distribuições de subsídios e apoios estatais reduzidos ao mínimo dos mínimos e feitos sob critérios partidários e total negligência quanto a atropelos ao património (vide o que passou em Évora com a Fundação Eugénio d’Almeida).
Quanto à questão da transferência do Museu da Música para Évora, ninguém falava nela. Começou a saber-se que NA SOMBRA OUTROS MUNICÍPIOS começaram a oferecer espaços para o receber. Enquanto isto, os nossos três “magníficos” deputados (Pedro Lynce, Carlos Zorrinho e João Oliveira) eram com o seu mutismo o mais perfeito exemplo do olímpico desinteresse que a questão lhes merecia.. Em Évora todavia havia quem soubesse o que se tramava e mantinha-se silencioso. Apesar disso consentiu-se que passasse a imagem que a reposição dos telhados na Igreja e nos anexos e reparação de certas salas no Convento, obras ocorridas no mês de Setembro, era o sinal de que as obras iriam finalmente começar.
Tudo isto, contudo, passou despercebido aos verdadeiros responsáveis pela cidade e à população, entretidos como andavam com a baixa política eleiçoeira, No meio da vozearia desatinada e desmiolada que antecedeu as autárquicas (29 de Setembro), aconteceu no Convento de S. Bento de C+astris um evento claramente indiciador de que o destino que lhe estava sendo preparado não passava pela instalação do Museu da Música.
3. Ali veio a ter lugar, de 19 a 21 de Setembro (a oito dias do acto eleitoral), um seminário organizado pelo CHAIA (Centro de História e Investigação Artística), pelo CIDEHUS (Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades) da Universidade de Évora), ambos da Universidade de Évora, e da Delegação Regional da Cultura, apoiada pelo Governo, que tinha por grande objectivo - passo a citar- «reinventar em contemporaneidade e dimensão histórica, integrando o Mosteiro Cisterciense numa mais ampla geografia da Ordem de Cister» no âmbito das Jornadas Europeias do Património 2013, iniciativa patrocinada pelo Conselho da Europa e pela Europeia.
Mais se aduzia, e continuo a citar «a proposta de Residência Cisterciense feita, será regida pelo ritmo da regra beneditina, apostará na vivência dos espaços do Mosteiro e no debate das questões a eles ligados e ao seu futuro no carácter original da iniciativa». E assim se fez numa girândola de conferências, workshops e apontamentos musicais tendo com tema base o silêncio e a vida contemplativa. Não se podia ser mais óbvio tanto mais quando se sabia e sabe que a Associação Portuguesa de Cister tem vindo envidando todos os esforços para o regresso dos seus monges ao nosso país. Aliás o tema do seminário era sintomaticamente “o silêncio”.
Dado que a cidade nas suas gentes oficiais não esboçou qualquer reacção (a Universidade até apoiou a iniciativa) , Jorge Barreto Xavier, sentiu-se à vontade para começar a estudar a instalação de tão precioso Museu, um dos mais ricos da Europa, noutra zona mais perto de Lisboa, que não Évora. Estávamos a 3 de Dezembro quando o Secretário de Estado anunciou na presença de Pedro Passos Coelho estava a estudar a instalação do Museu da Música em Mafra.
De novo não se escutaram reacções imediatas. à intenção difundida por alguns meios de comunicação. Só já em vésperas de Natal, a Câmara decidiu por unanimidade e após reunião pública normal, aprovar uma tímida moção de protesto quanto à intenção do Governo desistir de transferir o Museu para Évora. Não tardaram duas semanas a que Jorge Barreto Xavier visse passar a tornar oficial tal desiderato apresentando-o como um facto consumado.
4. Face ao exposto a reacção da Câmara de Évora é no mínimo ridícula e patética quando expressa pela voz do vereador da cultura Eduardo Luciano. Afirma o dito senhor que a Câmara se mostra «surpresa e indignada». Surpresa, quando este “dossier” tem pelo menos quatro anos, era conhecido da maioria dos actuais vereadores, e o que agora se passa, é o resultado da desatenção, negligência e incúria (e não só, diga-se de passagem) com que particularmente nos últimos dois anos, foi encarado. Surpresa, quando era voz corrente nos corredores da Assembleia da República que o então deputado e actual presidente da Câmara de Mafra, Hélder de Sousa Silva, vogal da Comissão Política do PSD, só aceitava candidatar-se, se em caso de vitória, o Museu da Música fosse para o Palácio de Mafra?
Se julgam que estou a especular pois leiam no site da Câmara Municipal de Mafra: «esta decisão foi o culminar de um processo liderado por Hélder de Sousa Silva considerando as anteriores diligências como deputado da Assembleia da República e disponibilidade depois mostrada como Presidente da Câmara Municipal na cedência das instalações que no citado monumento estão sob gestão da autarquia».
Surpresa, só por parte de quem andou a dormir na forma, como se diz na gíria militar. E não foram apenas os vereadores e os assessores municipais, mas também os responsáveis por outras instituições O grupo Pró-Évora por onde andou? E o PSD de Évora que consentiu que tudo isto se passasse nas suas costas sem se opor. E a Universidade que se calou, através do CHAIA e do CIDEHUS enquanto sabia o que o Governo estudava para o futuro do Convento de S. Bento de Cástris. Quanto à indignação de agora falta-lhe veemência para ser tomada a sério. Lágrimas de crocodilo quando muito.
5. Enfim, Évora foi esbulhada do Museu da Música porque o Governo não respeitou um compromisso e preferiu desviá-lo para um concelho da sua área partidária. Mas o que Jorge Barreto Xavier se devia coibir, em defesa dessa opção, era de utilizar falsidades, mormente quando vem dizer que «na altura tratava-se mais de encontrar uma solução adequada para o convento de S. Bento do que encontrar uma instalação adequada para o Museu da Música» e que « o historial da colecção nada tem a ver com Évora» .
Em extensa entrevista ao quinzenário «JL-Jornal de Letras, Artes e Ideias», de 15 a 28 de Setembro de 2010, Gabriela Canavilhas, repito PIANISTA E LICENCIADA EM CIÊNCIAS MUSICAIS, elucidou que em Évora iria ser criada «uma mega-estrutura para a música, um espaço de acolhimento para instituições musicais e da historiografia, tal como para o arquivo sonoro » considerando que o Convento de S.Bento de Castris oferecia todas as condições para a receber dada a sua dimensão, arquitectura, história e recheio artístico». «Até hoje o Museu da Música tem aguardado por umas instalações que façam justiça quer ao seu valioso espólio, quer ao papel importante que a música importante na afirmação da nossa identidade cultural».
A ministra espraiava-se em elogios à cidade, com grande tradição no campo da música portuguesa, merecendo-lhe particular referência a Escola de Música da Sé de Évora que funcionou em todo o seu esplendor entre os séculos XVI e XIX, na qual se ministrava o ensino da música em regime de internato no Colégio dos Meninos do Coro, construído para o efeito em 1552. E referiu-se ainda ao facto da cidade ter possuído uma das mais antigas Academias de Música do país, a mais antiga Tuna Académica a nível nacional (fundada em 1902) e ser sede de um Conservatório Regional. Por último aludiu ao facto de a Universidade de Évora oferecer através do seu Departamento de Música licenciaturas nas vertentes de Interpretação, Composição, Musicologia e Jazz e mestrados nos três primeiros, possuindo além disso uma Orquestra Clássica e Orquestra de Jazz.
Gabriela Canavilhas sustentou ainda que o Convento de S. Bento correspondia arquitectonicamente ao pretendido apresentando-se ainda como um espaço de grande de crescimento, pelo que poderia acolher residências artísticas e ser sede uma Orquestra do Alentejo.
6.É pois, sem um mínimo de decoro que o cortador de orçamentos, Jorge Barreto Xavier, vem afirmar que o «que se procurava era mais uma solução para a questão do Convento abandonado que uma solução adequada para o Museu e que Évora nunca teve nada a ver com a música. Caso para perguntar, e então Mafra? Pois, segundo descobriu o actual presidente do município, mestre em Engenharia Electrotécnica e Computadores, licenciado em Ciências Militares, ramo das transmissões militares pela Academia Militar, oficial do Exército e antigo Director de Serviços do Ministério da Administração Interna, «este é o reconhecimento da vocação musical do monumental edifício mandado construir por D. João V ».
É caso para dizer como os brasileiros: «essa contaram para você». Mas a verdadeira explicação vem na continuação da frase: «Trata-se de uma oportunidade para inscrever Mafra em mais um circuito cultural assim contribuindo para a diversificacão e o aumento do fluxo de visitantes». Afinal o Museu da Música vai para Mafra para resolver o problema da falta de visitantes do concelho e não porque seja o local mais indicado para o acolher, nem por este ser o melhor enquadramento pedagógico, paisagístico e ambiental. Mais: vai ficar a fazer companhia à odiada Escola Prática de Infantaria, que durante os anos da Guerra Colonial, alojou e formou os soldados cadetes que ali tinham de ir fazer a recruta para depois serem transformados em carne para canhão.
De igual modo, o argumento utilizado por Xavier Barreto de que a instalação do Museu no Convento de S.Bento de Cástris era pouco aconselhável por estar localizado em zona periférica da cidade (a quilómetro e meio) e fora dos circuitos turísticos , é risível e ridículo e denota pouca honestidade intelectual. Tal como a invocação dos avultados custos financeiros da transferência que serão os mesmos, quer esta se efectue para Évora para Mafra.
Aliás a própria Gabrela Canavilhas que tinha consciência dos gastos a fazer, anunciou desse logo que «a transferência de Lisboa para Évora, se faria de forma faseada, num processo com a duração de 4 anos e dotado de financiamento comunitário». Agora Xavier vem dizer que ela foi sendo sucessivamente adiada pelos encargos que envolvia e pensando também na sua manutenção futura. Seja verdadeiro, senhor Secretário de Estado, e diga que ela foi sempre adiada até ser encontrada uma solução política mais a gosto de Passos Coelho e do seu. Afinal Mafra, fica perto de Massamá, pertence ao distrito e à Área Metropolitana de Lisboa e ainda para mais à Sub-Região da Grande Lisboa! Que era isso agora de tirar um Museu de Lisboa para o atirar para o interior desértico e entregá-lo, ainda por cima, aos burgessos e pategos alentejanos?
7. Não quero alongar-me em mais pormenores revelando aqui os elevadíssimos investimentos que o Governo fez nos últimos dois anos no Palácio Convento de Mafra. Para isso houve sempre fundos e verbas. Fazendo-o sem ética, nem vergonha, mas não violando qualquer lei, tomou a decisão que entendeu. E em Évora só muito tarde, devido a incúria, inépcia, omissões e cumplicidade várias, inesperadas algumas delas, a mesma só foi conhecida, suscitando uma tímida e frouxa reacção
Houve, tenho de o dizer, um comportamento que me deixou embasbacado, até pelo crédito que lhe era concedido em toda a região. Falo da aceitação do cargo de Delegada Regional do Alentejo, por parte de Ana Paula Amendoeira, feito por concurso mas só avalizado após entrevista com o Secretário de Estado. A nomeação foi feita no dia 2 de Dezembro e a divulgação de que o Governo estava a estudar a transferência do Museu da Música para Mafra teve fatalmente que lhe ser comunicada. E aceitou sem pestanejar, calando-se até hoje?
Por outro lado é caso para nos interrogarmos até que ponto Xavier Barreto a confirmou no lugar, pelo facto dela ser Relatora do Conselho Consultivo da UNESCO e Presidente do ICOMOS (Conselho Internacional de Monumentos e Sítios) quando está em fase de elaboração final o dossier de candidatura de Mafra a Património Mundial da UNESCO (o prazo termina neste ano de 2014). Realmente, era só já o que faltava era Évora para além de ser esbulhada do que lhe era devido andar a promover Mafra através das suas estruturas regionais representativas da cultura?! Como dizem os franceses «honi soit qui mal y pense».
Neste caso Xavier Barreto foi mesmo de uma deselegância e de uma grosseria a toda a prova ao não comunicar à cidade a sua decisão. O goês é mesmo um cancro para a cultura e o património eborense. Já assim se revelara quando mandou suspendeu o embargo às obras do Palácio da Inquisição, ignorando alguns atropelos, passando pelo caso vertente e não garantindo a recuperação do Convento de S. Bento de Cástris aguardando que a Ordem de Cister o venha fazer. E esperem-lhe pela pancada, porque por aquilo me vai chegando aos ouvidos, não vai ficar por aqui, nem apenas por Évora.
Para os eborenses fica a lição de que, neste momento, ninguém defende os interesses da cidade, apenas os pessoais e os partidários. Os mais variados dossiês são desconhecidos, ignorados e esquecidos Mas o que faz tanta gente, alapada em tanta divisão, departamento, gabinete, direcção? Rigorosamente nada. Uma passividade sonolenta emana de todos estes locais onde até a própria indignação não passa de um tímido grasnar de ave moribunda.
Assumam, pois, todos, como devem, AS VOSSAS RESPONSABILIDADES. Com o vosso consentimento o Xavier deu-vos música.
José Frota (por mail)