Joaquim Palminha da Silva |
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Escrevendo uma prosa laudatória sobre o cenógrafo-arquitecto italiano, o jornal O Manuelinho d’Évora(nº382, 20/5/1888), entrega-nos uma mão cheia de informações sobre o artista Giuseppe Luigi Cinati e o seu intrínseco idealismo na edificação do «passeio público» de Évora:
«Em 1863, vindo a Évora o sr. José Cinati ddirigir a obra do palácio sr. José Ramalho, prestou-se a instâncias d’este cavalheiro para dirigir a construção do passeio. Aceitou a camara tão va oferta, e no mez de março d’aquelle mesmo anno se deu princípio obra do passeio, […]. Por muitas vezes veio de propósito a Évora, demorando-se dias para dirigir e activar trabalhos, além de remeter de Lisboa os desenhos necessários. Além de muitas árvores e arbustos para se plantarem, e tudo desinteressadamente.».
O facto é que a velha linha de fortificação militar e a sua “irmandade” com a atmosfera envolvente do «passeio público», para quem acaba de entrar na cidade, inspiravam harmoniosas evocações do século XVI… Jardim Público romântico e, talvez ainda, um dos poucos exemplares mais completos existentes no País, de um património nacional que a “modernidade” está a fazer desaparecer…
Sobre este esplendido “espaço verde”, nos finais do século XIX, escreveu o escritor Fialho de Almeida (in Estâncias de Arte e de Saudade):
O «jardim fica no topo do grande terreiro das feiras, à entrada da cidade […].
É vasto e plantado pelo sistema do jardim da Estrela, maciços entremeados de ruazinhas […] que vão e vêm sob as ramadas do arvoredo. Dentro do arco dos muros ficam umas ruínas de palácio gótico, fingidas por Cinatti, […] duma imponência a encher de assombro o mais romanesco peito de “touriste”. […].
A tarde morre e eu demoro-me um instante junto à grade que delimita o jardim por cima da antiga muralha, a olhar o horizonte imenso, luminoso, ondulado, que para aquela banda se perspectiva, […].».
Seguindo o traço vulgarizado pelo arquitecto francês Violet-Le-Duc, para o castelo de Carcassonne (sul da França), Cinatti de facto aproveitou um recanto da muralha Medieval para aí instalar as ruínas fingidas (1866). Todavia, entraram na composição destas cinco janelas geminadas de arcos em ferradura e capitéis exóticos de mármore branco, de “fábrica” autêntica, provenientes do então arruinado palácio do Bispo D. Afonso de Portugal. Do conjunto faz parte a torre de grossa alvenaria, rematada por cordão torso, dito manuelino, e cordão de merlões dentados.
Ao desenho dos espaços verdes e selecção de árvores, traçado de lagos (com donairosos cisnes!), incluindo a integração da Galeria das Damas, vulgarmente denominadas “Palácio de D. Manuel”, na verdade derradeiro espécime do desaparecido Paço Real de Évora, bem como a frondosa mata do Jardim, veio acrescentar-se um gracioso coreto em 1888, formado por um prisma reto hexagonal.
Foi este Jardim Público, de que hoje (2015) infelizmente temos uma pálida e desvirtuada imagem, que mereceu desde logo ao lisboeta Carlos Bastos, autor de folhetos de propaganda de viagens, na publicação do livrinho «Viagem a Beja e Évora em 20 de Junho de 1867», a afirmação de que o «passeio público» de Évora, era «Muito melhor que o nosso Passeio no Rocio. Obra de Cinatti, está em princípio mas deverá vir a ser muito melhor e mesmo mais curioso que o da Estrela».
Além do busto de Giuseppe Cinatti (que sofreu tentativa de vandalização em 2013, que acabou em tragédia), uma vez concluída a mata em 1881, o Jardim Público recebeu uma única obra de estatuária digna desse nome: o busto da poetisa Florbela Espanca, inaugurado a 18 de Junho de 1949!
Com a sua oliveira da paz, plantada pela vereação democrática da Municipalidade em 1919, durante pouco mais de um século, o Jardim Público foi centro fundamental da sociabilidade urbana e espaço de projecção cultural a vários títulos, como dizia o periódico Manuelinho d’Évora (1888): «recinto pitoresco e aprazível» de «arvoredo frondente», e «vegetação ubérrima e luxuriante».
Amarga conclusão
Nas últimas décadas, a seguir ao estabelecimento do regime democrático (1974), este Jardim Público que foi sempre por excelência um espaço de sociabilidade democratizante, veio a sofrer a injustiça de autênticas vandalizações, graves sobretudo porque promovidas por executivos políticos da Câmara Municipal de Évora, naturalmente servidos por técnicos especialistas de espaços verdes de forma subserviente…
Primeiro, foi a instalação de parte da Universidade de Évora num antigo aquartelamento (Artilharia nº3) que, subtraindo escusadamente espaço ao Jardim, concluiu a sua localização com a colocação de chaminés de alumínio sobre os telhados do seu casario, numa clara afronta ao espaço monumental ímpar!
Depois, aos poucos, a própria Câmara Municipal de Évora, foi despojando de arvoredo a entrada da mata, em ordem a imperativos “populares” efémeros, para instalação de equipamentos de feira. Aos poucos, o aparecimento de flores nas placas do Jardim acabaram por ser um “fenómeno”, tão raras se tornaram… Por fim, vandalizado com a intromissão de uma “escadaria” manhosa, partindo do cimo da sua muralha para o recinto na altura da Feira de S. João, o Jardim Públicoé também conspurcado com a instalação de mini-tabernas no seu espaço, proporcionando-se assim a exibição bárbara de tudo o que é a negação do Jardim, como espaço de harmonia, tranquilidade e sociabilidade (não alcoolizada!) dos habitantes da urbe.
Com instalações sanitárias que são um autêntico atentado à saúde pública, troços de calçada a desfazerem-se, apresentando enormes sulcos nas suas ruas de terra batida, bem como vários desníveis, naturalmente acontecidos pela acção das águas e negligência dos especialistas, com o busto de Florbela Espanca “castigado” com um redondel de arbustos, como que “emparedando” a poetisa, este não é mais o «passeio público» que o final do século XIX festejou, pela pena de escritores e jornalistas, e que as Filarmónicas abrilhantaram com composições de Verdi! …
Este é o «jardim público» do relaxamento de maneiras, da “falta de educação” de uma espécie de gente que julga que ser de “esquerda” é ser grosseiro, dizer “palavrões”, cuspir para o chão e pisar as flores!