Joaquim Palminha Silva |
O “supremo tribunal” da opinião pública que, na Província e no que respeita à Cultura, funciona sob o teto da ignorância e da indiferença, acaba de ter conhecimento, através da imprensa local, do anúncio dumas quantas miragens, seguidas de habilidades cerzidas nuns quantos truques, que se concluirão em quase nada ou coisa nenhuma!
1. Aconteceu recentemente uma conferência de imprensa “convocada” pela Direção Regional de Cultura do Alentejo, Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo, Câmara Municipal de Évora e Universidade de Évora. Realizada no interior do martirizado Convento de S. Bento de Cástris, a conferência de imprensa serviu para este “directório” anunciar a apresentação de um “projecto”, revestido pelo vigor inventivo que só a língua inglesa no seu tom sóbrio pode talvez traduzir, porque a lusa língua, é sabido, enferruja com o seu realismo as mais belas miragens: Sphera Castris – Southwest Park for Heritage and Arts!
Que nos declaram estas sorumbáticas entidades? – A intenção de instalar um «centro para as artes, ciência e tecnologia, investigação, inovação e sustentabilidade», no que resta deste Mosteiro que, abandonado desapiedadamente pelo Estado durante anos, foi vandalizado barbaramente a ponto da torre sineira lhe ter sido apeado e roubado (sem “ninguém” ter dado por isso!) um sino gótico em bronze.
Verifica-se, contudo, que não foi dada informação sobre o orçamento genérico para restauro/reabilitação do imóvel no seu todo ou parte; também damos conta da ausência de informação de datas para início prático do «projecto» e prazos de execução; ficamos sem saber, apesar do “eloquente” título em inglês, que «educação artística e patrimonial» será essa, de forma a ser «capaz de contribuir para a qualidade de vida das populações» que, como se sabe, estão a envelhecer rapidamente, e sem renovo que lhes valhas; por fim, além de várias informações ficarem retidas num absurdo secretismo, sempre gostava de saber com que dotação orçamental poderá contar o dito «centro» …
Em síntese, estas instituições de Estado, regionais e locais, fizeram-nos o favor de nos declararem as suas mirabolantes intenções, a que chamam «projecto» … Ora de boas intenções, dizem-nos, está empedrado o chão do Inferno!
2. Associando-se às comemorações dos supostos 500 anos do dito “Palácio de D. Manuel”, o CENDREV leva de novo à cena e no referido edifício, mestre Gil Vicente!...
Supõe tu, eborense ilustrado, que pretendias adquirir algumas obras de Victor Hugo. Após subires as escadas para o 1º andar da Livraria Nazareth (Praça de Giraldo), dirigindo-te à “simpática” livreira, solicitavas-lhe os romances «Nossa Senhora de Paris», «Os Miseráveis» e «Os Trabalhadores do Mar». Então, com o seu característico tédio, a empregada olhar-te-ia nos olhos e, aborrecida como sempre, dizia-te: - «Esses romances não temos… Porém, se o senhor quiser, temos excelentes resumos dessas obras, com a vantagem de serem mais baratos e rápidos de se lerem!».
Eis que o CENDREV nos oferece algo semelhante ao que acima se imagina: - Com apenas três actores, a Companhia Teatral resolveu unir entre si «fragmentos» de meia-dúzia de Autos e sem pestanejar, galhardamente, oferece ao público essas arbitrárias descolagens como se fossem uma obra completa… - A esta habilidade colou-lhe o título, «Estes Autos Que Ora Vereis»… De facto, se non é vero, é bene trovato!
Encontrou-se, assim, maneira de poupar actores e economizar nas encenações, ainda que “encurtando” Gil Vicente! - Oh!, terra do nosso berço, não há como tu para truques! E ainda há quem inveje Lisboa!
3. Depois do enorme “sucesso” além-fronteiras alcançado pelo «cante» alentejano, procurando continuar a demanda da imagem fantasmagórica e pitoresca de «património imaterial» (expressão inventada pela UNESCO), a Câmara Municipal de Évora (CME) decidiu convidar «um conjunto de investigadores e estudiosos na área do património imaterial, com o propósito de se criar o Grupo dos Amigos do Património Imaterial de Évora», segundo se lê na imprensa diária local (8/5/2015).
À maneira da ideologia que professa, o executivo político da CME não aceita que a realidade refute as suas teses (suspeitamos do que elas sejam!) sobre a Cultura e, assim, acaba de organizar um grupo de especialistas “caça-fantasmas”! – É claro que este grupo pertence, na sua maioria, ao mesmo partido que o executivo autárquico e, portanto, só concebe a existência desta suposta forma cultural através da iniciativa municipal…
O intelectual eborense, grande ou pequeno, sábio ou plumitivo, vitupera, em termos desabridos, o dirigismo cultural e burocrático da direita, mas tem um problema de consciência em tocar, nem que seja com uma flor, nos actuais herdeiros ideológicos de antigos regimes totalitários que, aqui e agora com assento no Poder local, se dizem de esquerda…
A manipulação em termos culturais e, neste caso, o pretensioso dirigismo autárquico é sempre um disparate, quer seja levado à prática pela esquerda ou pela direita. Porém, transfigurado pelo já muito esfarrapado marxismo do actual Poder Autárquico, torna-se parte integrante da edificação do “poder local democrático”!
Em geral, a opinião pública eborense (mas “isto” existe?) assiste sorridente e com uma certa indiferença a estes torneios “culturais”, que nem a brisa da tarde fazem mexer, e esquece que as calçadas da cidade estão destruídas e grande quantidade de imóveis, completamente arruinados, fazem da urbe um escandaloso apodrecimento a céu aberto…