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Mataram o Mandarim… mas “lixaram-se”!

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Joaquim Palminha da Silva
  Que sabemos nós de concreto acerca do atrevimento dos políticos, a quem saí a lotaria (eleitoral) do Poder a usar durante período suficiente para «matar o madarim»? – Muito pouco!
            Reparem bem: - A maioria dos políticos não são sequer pessoas vagamente afidalgadas de usos e costumes e, quanto a “cultura geral”, são relativamente modestos os seus pertences. Através de atribulações burocráticas e processos formatados em Universidades privadas, alguns apresentam o aspecto exterior de um licenciado, subtraído muitas vezes aos “estragos” do estudo sério e “maçador”!
            Do que não há dúvida, é que quase todos revelam bastantes conhecimentos sobre a História recente e, nessa ordem de ideias, alguma habilidade no percurso necessário para «matar o mandarim» nem sempre com êxito, diga-se… Tal foi o caso de quadros superiores do Estado, ex-ministros, administradores de Banco, e outros seres humanos que as circunstâncias (e a manha!) elevaram acima da mediania, nesta lusitana e pardacenta época. Mas não sabendo eles toda a História do «mandarim», acabaram apenas por armar desordens institucionais e degenerescências éticas e, por fim, como se dizia ao despejar o “vaso de noite” na Lisboa do século XIX, terminaram lançando “água vai!” sobre os meios de comunicação social…  
            Como muito esquece a quem não sabe, aqui deixo a recordação da histórica ideia de «matar o mandarim»…
            A expressão é de origem francesa, embora tenha sido objecto de muitas utilizações e citações literárias. Entre nós, portugueses, o seu maior mérito foi o de ter inspirado a Eça de Queirós, a pequena obra-prima que é a novela «O Mandarim», (1880). Pensa-se que tal ocorreu ao escritor português ao ler uma passagem da obra «O Génio do Cristianismo», do visconde de Chateaubriand que, no capítulo «Do Remorso e da Consciência», propõe um problema de consciência nos seguintes termos: «Se

pudesses por um simples desejo matar um homem na China e herdar toda a sua fortuna na Europa […] consentirias em formular esse desejo?». A China entrou na exposição desta ideia, segundo se pensa, apenas porque era então uma terra remota, antípoda da França. O grande escritor francês Honoré de Balzac (1799-1850), num dos seus primeiros romances («Anete e o Criminoso», 1824), repetiu esta questão, mas introduzindo na pergunta a palavra mandarim. Esse romance do escritor, pioneiro do realismo literário, é ainda hoje considerado obra menor de um principiante, e a frase passou despercebida. Porém, dez anos mais tarde, com a publicação da obra-prima «Pai Goriot», Balzac apresenta a mesma questão de consciência nas palavras do personagem Rastignac dirigidas a outros personagens da obra. A questão tornou-se então proverbial e, assim, nasceu a expressão «tuer le mandarin», («matar o mandarim»). Todavia, na época, Balzac enganou-se na autoria da expressão, atribuindo-a a Jean Jacques Rosseau, provavelmente por alguma falha de memória.
            De 12 de Março a 15 de Outubro de 1865, o jornal «Cruzeiro do Brasil», folha católica conservadora, publicou como folhetim, sem referir o autor, o romance francês «O herdeiro do Mandarim», onde abordava a mesma questão. Acredita-se que foi essa a fonte inspiradora de Eça de Queirós que, no seu «O Mandarim», identifica o seu personagem central como «Teodoro», que fez matar um mandarimna China, tocando num botão de campainha em Lisboa.
            Recorde-se que o título «mandarim» não existe em chinês, tendo sido inventada pelos primeiros portugueses que colonizaram Macau, para designarem os importantes funcionários da China. O próprio Eça de Queirós dá a este respeito alguns esclarecimentos na sua novela, ao dizer que «ninguém o entende na China» e que «vem do lindo verbo mandar». Na realidade, funcionário em chinês é kwan. Todavia, a palavra «mandarim» internacionalizou-se. Por exemplo, em Inglaterra, e pelo menos até aos anos 50 do século passado, a palavra fazia parte da gíria dos funcionários diplomáticos: «the mandarins of the Foreign Office». E em França (1954) serviu de título ao romance de Simone de Beauvoir «Les Mandarins».
            Regressando ao mundo de língua portuguesa, Machado de Assis (1839-1909) utilizou várias vezes a imagem e expressão do «mandarim», mas enganou-se, pois falou do «botão de Diderot que matava um homem na China», (por exemplo, crónica na publicação «A Semana», de 22/1/1893).
            Entretanto, já com o tema celebrado como questão “filosófica”, dois franceses autores de teatro (Albert Monnier e Edouard Martin) escreveram uma peça intitulada «As-tu tué le Mandarin?», representada em francês no teatro Alcazar no ano de 1864, período em que Machado de Assis foi cronista e folhetinista no jornal «Diário do Rio de Janeiro». Pensa-se que talvez tenha sido a partir dessa peça de teatro que, por engano, Machado de Assis colheu a ideia de que a sua origem remontava a Diderot (1713-1784). De resto, foi sobre esta mesma questão que o escritor brasileiro escreveu o seu famoso conto «O Enfermeiro».
            Nestes últimos tempos, depois de desenrolarem os tapetes do Estado sob os seus pés, um sem número de personagens tocaram a campainha em Lisboa, com atitudes desembaraçadas de quem está servindo a causa pública. Na verdade, falharam a morte do «mandarim» na China, mas acertaram em cheio no quadro de “natureza-morta” que é o País e a sua população… Desta vez, alguns “lixaram-se”… o seu dia social, político e cultural acabou na suspeita de prática criminosa…

            Mas amanhã? – Quem nos livra de que apareçam outros a tocar a campainha? Quem salva o «mandarim» que existe em cada um de nós?



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