É a semana do Natal, quadra em que mais do que no resto do ano se fala de desejos. Não os sensoriais e sensuais, nada disso, que é quadra de história celeste e requer recato e pudor.
É época de votos, que não são os de um sistema democrático, mas os de desejar aos outros o que desejamos para nós. Afinal, isso é que é a solidariedade, irmã da fraternidade e da reciprocidade, que se materializam em troca de coisas, reais, materiais ou incorpóreas.
Sobre isto dos desejos lembrei-me da expressão idiomática inglesa wishful thinkingque, por ser de difícil tradução exata em português também usamos. Significa tomar os desejos por realidades e, onde normalmente se utiliza é quando nos referimos a decisões que se tomam seguindo raciocínios que se baseiam não em factos mas, precisamente, em desejos. É uma espécie de otimismo exagerado o que, enfim, pode acontecer ao mais incrédulo mas que, aterrando a realidade de outra forma causa alguns desgostos ou, pelo menos, algumas desilusões.
Isto dos desejos exacerbados dá muito nas crianças e nos seus sonhos que alguns insistem em que, um dia, se cumprirão, prolongando na infância um modo de sonhar muitas vezes saudável. O que é bom se, obviamente, ao crescerem não se tornarem vítimas do tal wishful thinking e, logo, de uma ilusão que nunca se concretize. Mas, ainda assim, era bom que estes sonhos se perpetuassem por todo o lado e por todas as crianças que aí vêm…
Vem isto a propósito de um panfleto, dito informativo e em formato de boletim, que amavelmente colocaram na minha caixa do correio. Lá se fazia um balanço do que se passou cá na freguesia durante este ano que finda. Foi então que confirmei, naquela prendinha que me ofereciam, uma das grandes desilusões do meu ideário político. Ao percorrer cada linha e cada pixel do dito folheto, confirmei que durante quatro anos, em que tudo fiz para me certificar de que a gestão do que eram dinheiros públicos revertesse precisamente para o bem público, andei a acreditar, embora já sempre muito desconfiada, que estavam verdadeiramente preocupados, uns certos senhores, com a despesa que a autarquia pudesse fazer em informação e aconselhavam a que se emagrecesse essa rubrica orçamental. Cedência feita para se manterem outras que, enfim, nunca eram alvo de sugestão, o que até se pode considerar normal já que quem governa é que deve saber fazer as escolhas, mas adiante.
Afinal, mesmo com o esforço em priorizar investimento financeiro noutras áreas, como por exemplo suportar o preço de cada metro cúbico da água que serve os habitantes de Évora, ou comparticipar medicamentos para os mais idosos que provassem necessitar dessa comparticipação, o que felizmente até se vai mantendo com a nova governação, afinal, dizia eu, parece que vão sobrando uns dinheiros para a tal informação que surge agora já como uma prioridade.
São assim os mestres da propaganda: fazem-nos desejar o melhor dos mundos num mundo em que se esforçam por demonstrar que está tudo mal, para que quando são eles a decidir e a tomar conta dele valha também tudo o que até aí não prestava, pintado de outras cores. Criam em nós essa lógica de raciocínio que nos faz desejar estarmos a fazer o melhor possível, que é o que manda a boa política, para depois afinal nos apercebermos que são truques aplicáveis aos outros e inválidos para eles próprios. O que vale é que o que não nos mata, nos deixa mais fortes ou, como traduz o povo português: o que não mata engorda. Aviso aplicável à quadra que, à mesa, costuma para alguns proporcionar excessos. Um Bom Natal a todas e a todos!
Cláudia Sousa Pereira (crónica na Rádio Diana)