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Quo Vadis

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(René Maltête)

Em democracia, é comum dizer-se que vence a vontade da maioria, e é verdade. A maioria determina o rumo a seguir, mas, não é menos verdade que um dos fundamentos da democracia é a proteção dos direitos de todos os cidadãos e para isso, ou por isso mesmo, as minorias têm um peso determinante na dinâmica social. É a sua soma que constitui a maioria e esta sendo o reflexo da sociedade, constitui-se porque nesse determinado momento histórico são exigíveis respostas consensuais a determinados estímulos sociais.
Vivemos no global, as fronteiras, mais do que físicas, são de outra índole. Acentuam-se diferenças que existindo já antes da queda do muro - com o fim da bipolarização entre os dois impérios, americano e soviético – são hoje determinantes do nosso quotidiano, os fundamentalismos religiosos, o confronto norte/sul, a emergência de radicalismos nacionalistas, assumem um papel de destaque, quando antes eram contidas na esfera de influência das duas super potências. Os pesos e contrapesos do sistema são cada vez mais complexos.
No entanto, se por um lado é visível o declínio das fronteiras tradicionais, transferindo soberania para plataformas supra nacionais, por outro acentua-se o peso das regiões, quer na sua referência cultural, quer também nas sua valência económica, ambas vitais para lhes assegurar espaço de sobrevivência no atual contexto.
Um outro dado a ter em conta é a inadequação do tempo de tomada de decisões políticas face à urgência do “tempo real”. A informação, com os novos suportes de comunicação é disponibilizada no imediato e a cru, enquanto as respostas do “sistema” são morosas, baseadas numa cadeia de decisão que não consegue dar vazão às solicitações feitas, num período temporal aceitável.
Daqui decorre, (entre outras coisas) um afastamento inelutável das gentes, que optam por se organizarem (ou tendem a fazê-lo) em movimentos transversais de cidadania.Estes, uma vez satisfeito o objecto das suas reivindicações, dissolvem-se até ao surgimento de outra emergência. Eis tal como referi acima, as maiorias ocasionais, formadas por diversas minorias que se agregam por via de uma necessidade conjuntural.
É o que releva deste derradeiro sufrágio europeu. Uma pulverização do voto, com uma radicalização de posições, fora do “sossego” neo-liberal e da terceira via e, uma avassaladora abstenção, a expressar mais do que  descontentamento, um total descrédito nas instituições que veiculam o poder instituído.
Portugal não foge a esta leitura. Com os meios de informação ao serviço do poder financeiro - mesmo os canais públicos de televisão e de rádio - o que chega ao público é manipulado convenientemente em função dos interesses económicos em jogo. Há uma clara opção pelo isolamento mediático dos movimentos sociais e a pouca informação transmitida é sempre redutora e trabalhada, quer em termos de alinhamento, quer em termos opinativos, para condicionar a opinião pública.
Acresce que a precariedade laboral é a regra, impedindo assim uma maior contestação; tudo isto somado à degradação das condições de vida, desagua no isolamento das pessoas, que cada vez mais se concentram na subsistência e menos na reivindicação de direitos que até há bem pouco tempo eram dados como garantidos.
À falência das instituições junta-se a crise profunda do sistema representativo, com os partidos (em alguns casos com razão) associados à imagem de clientelismo e corrupção difundida generosamente em meios informais de comunicação.
Por cá, a abstenção, mais do que um mero fenómeno de alheamento cívico, é (permitam-me a palavra) um “desvoto” num sistema representativo profundamente enquistado numa realidade colateral.
Olhemos então para os partidos políticos que em Portugal elegeram deputados para o Parlamento Europeu.
Os partidos do “centrão”, PSD e PS, são, desde a liderança de Cavaco Silva e desde que Mário Soares anunciou ter metido o socialismo na gaveta, notoriamente partidos eleitorais. Vivem do do fantasma da popularidade, procurando o protagonismo através dos meios de comunicação de massas e do marketing político. O seu campo de recrutamento situa-se em todos os estratos sociais. Renuncia a contundentes declarações de princípios para apresentarem objetivos atrativos e ambíguos de alcance geral. O êxito da respectiva estratégia depende do líder, fazendo surgir,sempre que necessário, um novo processo de personalização do poder. Privilegiam estratégias de curto prazo sobre as componentes ideológicas.
Não surpreende portanto esta luta pela assunção do poder no Partido Socialista, como não surpreendem as promessas por cumprir feitas em campanha eleitoral, nem tão pouco, como agora assistimos, à demonização do Tribunal Constitucional, como justificação para os erros próprios.
O Partido Comunista é, todos o sabemos, um partido de militantes. Possui uma organização muito estruturada com uma burocracia própria, com profissionais políticos, e aposta porque tem uma forte carga ideológica, numa  atividade política permanente, com constante mobilização e consciencialização das massas.
Por isso sobreviveu quando quase todos os outros partidos comunistas europeus sucumbiram à “queda do muro,” e por isso é também o único partido em Portugal que tem crescido consistentemente desde o advento da crise.
No entanto, dadas as suas características, dificilmente crescerá a um nível que lhe permita uma maior implantação social.
O MPT, que elegeu dois deputados, é um exemplo de partido de quadros, ou de agregação de interesses, sem carga ideológica e que vive exclusivamente da imagem de quem o integra, sem estrutura organizativa, ou uma estrutura muito incipiente.
Elegeu Marinho Pinto devido à sua exposição mediática, e elegeu mais um deputado apenas por arrastamento. É no entanto, uma prova viva do descontentamento que grassa entre os cidadãos deste país.
Quanto ao PP... é difícil a qualificação, Paulo Portas? Partido Popular? É isso sim, a organização que alberga a direita deste país, desde a direita ultramontana à direita democrata-cristã, todos se enquadram no PP, com um discurso fortemente populista e uma política de alianças com os partidos de eleitores, que lhe vão permitindo ter influência relativa no arco dito do poder.
Resta abordar o Bloco de Esquerda, força política que integro e que é o motivo desta crónica.
O BE, nasceu da aliança de três forças partidárias, que poderíamos enquadrar na definição de partidos ideológicos, ou de massas se preferirem. E nasceu a partir da constatação óbvia de que existia um espaço à esquerda que necessitava de um elemento agregador que o representasse.
Foi assim que a UDP, o PSR, e Política XXI, sem perderem a sua matriz identitária, juntaram esforços e deram origem ao BE.
O objetivo era claro! Agregar as esquerdas que não se revissem no PCP e também, todos os que sendo de esquerda, não se sentissem representados na prática política, bastante enviesada, do PS.
Pelo seu discurso e práticas inovadoras, o BE transformou-se numa pedrada no charco do panorama político português. Para isto, além de contar com uma boa imagem mediática, muito contribuiu a ideia, (posta em prática) de convergência, defendida pelo partido, que viu a sua influência aumentar com a adesão de múltiplas franjas minoritárias - até aí votadas ao ostracismo pelas outras forças partidárias - e que contribuíram para que o Bloco se transformasse no paladino das causas entendidas como fraturantes, mas que na realidade eram e são os entraves a um quotidiano minimamente aceitável para grande parte dos portugueses. Contou também o BE com figuras de inegável qualidade, que através das suas intervenções nos Parlamentos, Nacional e Europeu, além da sua prática política, contribuíram grandemente para que o partido se enraizasse no eleitorado e conseguisse ser, em determinado momento a maior força política à esquerda da social-democracia. Este foi o auge do Bloco de Esquerda no panorama partidário.
A partir deste ponto, a irregular implantação no território, o escasso investimento no trabalho autárquico, a falta de coordenação do pouco trabalho militante que existia, aliadas a decisões estratégicas e táticas que se revelaram desastrosas, (o apoio à candidatura de Manuel Alegre, a recusa do diálogo com os representantes da Troica entre outras) levaram a um afastamento grande por parte dos simpatizantes e a uma consequente perda de eleitores.
Assim se chegou à última Convenção Nacional, após uma sucessão de derrotas eleitorais e num ambiente de crescente descrédito. Sobre a mesa, duas Moções, uma a B, que defendia a necessidade de uma maior participação das bases nas estruturas do partido, secundada por uma política de convergências mais alargadas quer a nível local, quer no âmbito nacional. Sustentava-se nesta moção em traços genéricos, que o partido não poderia ficar refém das correntes fundadoras e que deveria abrir-se de forma mais desassombrada a todos cuja adesão ao BE, tinha sido consequência de processos ulteriores aos movimentos fundacionais. A outra Moção em confronto, que recolheu maior número de votos e determinou a estratégia a seguir, consubstanciava a sua argumentação na ideia de um Governo de Esquerda do qual o Bloco seria a charneira. O descontentamento popular pela degradação das condições de vida, o exemplo da Grécia com a afirmação meteórica do Syriza, o desgaste provocado no governo pelo surgimento de inúmeros movimentos reivindicativos, o relançamento da contestação sindical... aconselhavam a que se esperasse à esquina da história, porque o dito governo da esquerda estava já já a chegar. Além disto, e para acalmar as movimentações tectónicas, procedeu-se a uma operação de cosmética, substituindo a Coordenação Singular, por uma Bicéfala que tranquilizasse as hostes e proporcionasse alguma acalmia dentro do partido. Quanto a convergências, ou abertura identitária, nada! Quem quisesse que viesse ter conosco, que aí sim estaríamos abertos ao diálogo.
Nem a coordenação a dois acalmou as hostes, nem o Governo de Esquerda chegou, nem tão pouco se conseguiu criar uma remota convergência sequer, com quem quer que fosse.
Poder-se-ia ter aproveitado o Congresso Democrático das Alternativas, seria até possível ter outro tipo de diálogo com o 3D, ou com outros agrupamentos políticos da esquerda, mas, para a acutal direção política, a ideia de convergência consiste em esperar que os outros se aproximem...
Nestes últimos dois anos, o BE fechou-se numa ideia de auto-suficiência que o levou a acumular desaires atrás de desaires e a ver a sua esfera de influência substancialmente diminuída, ou pela saída de figuras nucleares, ou até mesmo por via da crescente perda de credibilidade que esta estratégia profundamente desfasada da realidade gerou.
Para quem não se revê nesta linha estratégica, e dado o fechamento da maioria na Mesa Nacional, (o principal órgão entre convenções) apenas duas alternativas se apresentam, ou se abandona o BE, procurando outro tipo de intervenção ou afiliando-se noutro agrupamento político, ou se continua a correr por dentro, tentando refundar o partido, num regresso às origens, enquanto espaço de convergências várias, aberto e actuante, próximo das populações e por isso mesmo porta voz de uma efectiva política de mudança, que contribua para o retomar da confiança dos cidadãos cada vez mais afastados das lutas sociais.
É precisamente isto que a ex moção B, agora Plataforma 2014, se propõe fazer, quer na Mesa Nacional, quer em todos os outros órgãos em que está representada.
Nesse sentido fizemos na última Mesa Nacional, propostas claras e concretas que levariam sem dúvida a um renascer da esperança, que foram rejeitadas e que foram ignoradas em posteriores análises feitas pelos coordenadores.
Não é verdade que a coordenação e a sua continuidade não tenham sido questionadas, não é verdade que a escolha da data da próxima Convenção tenha sido unânime.
Foi apresentada uma proposta clara de resolução, que aponta no sentido da abertura do BE a novos contributos.
Não há que temer a diluição do Bloco num espaço de convergências, há isso sim é que evitar o fim do Bloco por não se abrir a esses espaços.
Há que juntar forças com todos os que queiram acabar com a política de austeridade que está a destruir a Europa.
Recusa do Tratado Orçamental, renegociação da dívida, (com ou sem saída do euro, para mim com! Não vejo outra forma) e uma aposta prioritária na recuperação do Estado Social, são sem dúvida bases para um entendimento.
A partir daqui tudo é possível.

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