Sempre que o governo impôs cortes em salários e pensões, acompanhou essa imposição com argumentos que pretendiam garantir a sua transitoriedade. Era só por um bocadinho enquanto a troika não se ia embora, ou enquanto o deficit das contas públicas não baixasse, ou enquanto o PIB não crescesse, ou outra meta qualquer (real ou imaginária) não fosse atingida.
Pretendia-se convencer os incautos que o esforço seria recompensado num futuro qualquer, com a reposição dos valores entretanto roubados ao rendimento dependente da prestação do trabalho.
Ontem, na Assembleia da República, o primeiro-ministro afirmou que o nível de rendimento dos portugueses (não estava a falar de todos mas certamente apenas daqueles que viram os seus rendimentos reduzidos) não voltaria aos níveis de 2011.
Se somarmos este rasgo de sinceridade à confissão de Luís Montenegro sobre o estado do país em contraposição com o estado das pessoas, poderemos afirmar que na cabeça dos homens do regime de Passos e Portas a situação das pessoas será tanto pior quanto melhor for a situação do país.
Houve quem sempre alertasse que a austeridade não era temporária, que as medidas adoptadas não tinham carácter de excepção, antes configuravam uma estratégia clara de redução dos custos do trabalho à conta da redução dos salários e pensões, quer por via do aumento da carga fiscal, quer pelos cortes directos nesses rendimentos, quer pelo aumento do horário de trabalho.
A ideia de estarmos todos num barco que está a ir ao fundo e que necessita que todos se sacrifiquem para que o barco flutue, voltando tudo à normalidade logo que esse objectivo esteja conseguido, não passou de um logro para garantir que a agenda ideológica do neo liberalismo indígena se impusesse com o mínimo de conflitualidade social.
A recuperação de direitos perdidos e reposição de rendimentos só será conseguida pela mobilização e luta dos espoliados e nunca pela boa vontade dos agentes dos espoliadores e todos sabemos como é difícil atingir esse objectivo.
Razão tinha o poeta Aleixo: É fácil a qualquer cão / Tirar cordeiros da relva / Tirar a presa ao leão / É difícil nesta selva
Até para a semana
Eduardo Luciano (crónica na Rádio Diana)