A cegueira voluntária é uma forma de servidão. Não querer ver decorre da subordinação a esquemas de percepção com um valor afectivo essencial. Esse valor afectivo "colora" todas as interpretações, e, como dizia Edgar Morin a propósito da sua própria experiência de jovem comunista, torna o sujeito impermeável ao desmentido pelos factos. Houve quem, entre nós fizesse ensaios de cegueira, bem sucedidos. Agora, a propósito da Ucrânia, os mesmos esquemas de subordinação mental são reactivados. Da extrema esquerda li há dias que "a classe operária (ucraniana) nada tem a ver com o que se passa em Kiev". Hoje, na Antena 1, Octávio Teixeira (aliás, um homem razoável), mergulha na mesma cegueira: o que está em causa na Ucrânia seria APENAS um efeito mecânico do "jogo de xadrez" Este-Oeste. É claro que tal jogo existe e que cada "campo" tenta influir sobre os acontecimentos. (E não ignoramos, por outro lado, que grupos fascizantes se infiltram nos movimentos e tentam captá-los). Mas o que OT quer dizer é que a "culpa" dos distúrbios é do "Ocidente" que quer desestabilizar a Rússia (entenda-se - herdeira da URSS!). Assim, para a extrema esquerda radical, a reivindicação de mudança do regime mafioso, de novas eleições, de abertura democrática, é um epifenómeno "burguês". Para a "Esquerda" herdeira voluntária do totalitarismo, o movimento é inteiramente REDUTÍVEL a jogos de influências externas, o povo está inteiramente manipulado, não tem exigências próprias, e merece o regime que tem. Escolher entre o Oeste e o Leste esquecendo as exigências dos que lutam é tão cego como descartar a luta porque não é suficientemente radical: não é a (bela) revolução proletária que está em curso. Os esquemas fixos tornam-nos cegos. Assim em 56 na Hungria, e em 68 na Checoslováquia: os cidadãos que exigiam reformas democráticas eram (simplesmente) manipulados no jogo do xadrez... Sendo voluntária, a cegueira, como a do Nobel, é uma servidão sem fim... à vista.(...)
JRdS (enviado por mail)