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A Fatura da Sorte

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"Os impostos são aquilo que se paga para se ter uma sociedade civilizada." Foi o que afirmou o médico e poeta americano Oliver Holmes, no séc. XIX, e que me parece que todos devíamos sentir como uma coisa óbvia. E é por isso que me sinto um pouco triste com a nova fatura da sorte.
Aprendi a ser defensora da fatura desde que me explicaram os princípios básicos da economia e também entendo que medidas razoáveis que permitam diminuir a economia paralela são bem vindas. Das vezes em que sou levada a não corresponder a este princípio pago sempre caro, quanto mais não seja com a consciência a moer-me, como se de um lado estivesse o diabinho a dizer-me “vá lá, foi só para facilitar a vida às pessoas” e o anjinho a fazer-me prometer que “se depender só de ti, não embarques mais nessa”. Enfim, aprendemos sempre quando nos confrontamos com esses dois lados da nossa consciência. É pelo menos sinal de que a temos. É que enquanto o nosso dinheiro dos impostos for aplicado pelo Estado no bem comum (falo do Serviço Nacional de Saúde ou da Escola Pública, por exemplo) eles reverterão para nós. Enganá-lo é enganarmo-nos.
Estou triste porque, apesar de mudanças importantes conquistadas noutras áreas, não conseguimos, enquanto país, educar as pessoas para esta atitude cívica de dar a fatura sem ser preciso exigi-la, sempre que há uma transação. Sobretudo porque também o não fizemos utilizando na dissuasão a mais forte das técnicas de educação: o exemplo. Quem não se lembra das consultas do dentista (é uma memória muito minha e não qualquer preconceito com a classe) de preços diferentes com ou sem fatura? Mas há também os pedreiros, os mecânicos, os explicadores, etc, etc, já que todos nos sentimos no direito a exercer a “chico-espertice” generalizada e contaminante.
A medida da fatura da sorte segue-se a outras, como a que teve a ver com os reembolsos do IVA no IRS, nas áreas em que se terá percebido que a fuga seria maior, ou as medidas de controlo através de sistemas informáticos obrigatórios na vida financeira e contabilística das empresas. Claro que tudo isto nos parece mais injusto quando recebemos todos um valente “apertão” no imposto que se aplica àquilo que compramos para viver. Como se a seguir ao castigo viesse o prémio ou possibilidade dele. E é por isso também que mais do que nunca, com ou sem sorteio, não há que dar desculpas a que se carregue mais sobre os contribuintes. Se todos fizermos o que deve ser feito, não há desculpas.
Quanto a esta medida do governo, não deixa de ser embaraçante e parece um pouco terceiro mundista. Será preciso utilizar métodos típicos do negócio do jogo para pôr os contribuintes na ordem? Se calhar. Aguardemos.
Até para a semana.

Cláudia Sousa Pereira (crónica naRádio Diana)

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