"O papa é um ídolo a quem se atam as mãos e se beijam os pés", e dou de novo a voz a Voltaire, ateu e anticlerical reconhecido, para falar do sucesso desta figura máxima da igreja católica que agora lhe veste a pele, o Papa Francisco.
Um verdadeiro fenómeno de popularidade, se não em todo o mundo pelo menos no ocidental e mais ainda nas comunidades de crentes, cristãos e não só católicos. Se Voltaire ressuscitasse hoje arranjaria de certezinha uma outra imagem igualmente mordaz para se referir a este novo ídolo em que o papa, este papa, se tornou, agora até capa e tema principal da última edição da revista americana Rolling Stone, por onde passam os ídolos da cultura, sobretudo musical, pop.
A impressão que nos causa a figura de um papa ainda hoje vem cheia de anacronismos, na aparência das vestes por exemplo, que o remetem para o ambiente de corte de séculos há muito passados. Já a forma como se dirige do alto de uma varanda especial à multidão, tanto evoca esses hábitos monárquicos de tempos longínquos, como os de grandes figuras de Estado, sobretudo ditadores, e muitos ateus, anticlericais e antipapa, que do alto dos palanques veem desfilar os seus súbditos, ainda hoje, em regimes comunistas. Modelos e poses que marcam claramente diferenças hierárquicas e sugerem, ou sugestionam, uma atitude de idolatria. Resquícios mantêm-se no dia-a-dia mais plebeu a que vulgarmente chamamos protocolo, mas adiante.
Consequência de hábitos e rituais tradicionais que por serem isso mesmo, da tradição, se mantêm e servem para relembrar àqueles que gravitam, no raio de influência, uma distância relativamente ao homem comum. O que é certo é que numa época como a nossa em que toda a gente anda, diz e faz o que e como quer, dentro do limite da legalidade que não é limite para tudo, a importância das figuras impressionantes mudou de sinais exteriores. É que para além da imagem, o discurso tem atualmente um valor altíssimo na bolsa da popularidade e da influência de uns, normalmente poucos, sobre outros, os muitos que formam as massas.
Não que os papas não tenham tido sempre, porque tiveram, muita influência nos destinos e governos ao longo dos séculos, e muitos deles com atitudes tão revolucionárias como as que se anunciam neste papado, apesar de até agora nada ter sido revogado ou renegado por este papa. O que me parece é que Francisco aplica métodos, muito dessacralizados em tempos mais distantes e bem longe do que se diz ter sido a prática daquele Jesus que representa na Terra, e que se tornaram quase sacralizados na sociedade da comunicação em que vivemos. Assim, ele dará mais do que a imagem do ídolo à espera de ser idolatrado pela pose, de quem desconfiamos que muitos interesses, a que agora se chamam lobbies, influenciam e manipulam, para ser o ídolo da proximidade daqueles que são uma amálgama de interesses a que costumamos chamar de todos. E assim Francisco aproxima-se também de outros idolatrados que mudaram o rumo da história universal. E quando ídolos destes o fazem mais do que gente a lavar-lhes os pés deverá haver “limpeza” nas mentalidades dos homens e das mulheres. Aguardemos.
Até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira (crónica na Rádio Diana)