Cena 1.
O ano lectivo começou. Está em curso a instalação de rotinas que se prolongarão na vida das crianças e dos jovens, dos pais, dos professores e de uma alargada comunidade que se relaciona com a escola mais ou menos intensamente até ao próximo Verão.
Na complexidade destas rotinas avulta a dedicação renovada de milhares de profissionais que se assumem ao serviço de uma construção social tendencialmente mais equilibrada e consciente. Mas, persistem também neste cosmos da educação alguns vícios e hábitos inconscientes que tendem a perpetuar-se. A prática de gritar com as crianças, adolescentes, com os outros, afigura-se-me tão grave quanto prejudicial para aquela construção para a qual nos propomos contribuir enquanto pais, professores e restante comunidade educativa.
Apesar de não ser aceitável gritar é por demais comum. São demasiado frequentes as descrições dos gritos como forma de impor a autoridade quer na sala de aula, quer em casa, quer mesmo noutros locais. Esta é mesmo uma das mais reiteradas queixas dos mais jovens relativamente ao "sistema de educação", o que me parece constituir terreno fértil para a reflexão sobre o que mudar e como fazê-lo.
A propósito da pertinência do tema, o portal educare.pt publica hoje uma entrevista a um especialista que defende que "Devemos ser compreensivos com a perda de controlo de muitos educadores no desempenho de uma tarefa tão complexa e difícil. Não é o mesmo uma perda de controlo pontual e um estilo de comunicação agressivo e autocrático sistemático ". O problema é que a comunicação agressiva continua a ganhar terreno. A impôr-se em contextos formais e informais. Nos territórios da educação, do lazer das relações interpessoais. Desde muito tenra idade.
Será de esperar, com esta realidade, a construção de cidadãos livres, desassombrados, na plenitude do seu estatuto de igualdade face ao outro ? Ou admitimos sem indignação nem óbice maiores, tornando-nos cúmplices e corresponsáveis pela educação, construção e promoção de escravos e senhores, pessoas submissas ou subjugadoras que sobrevivem no contexto social (escola, trabalho, casa) sempre e só pela via do exercício do poder, independentemente do lado em que se posicionam.
No Jardim público de Évora, no espaço aberto entre o palácio D. Manuel das Ruínas fingidas, ontem ao final da tarde, um grupo de jovens universitários "praxava" "bichos". Individualmente, cada "praxador" tomava a seu cargo uma vitima. Passando por alí, reparei numa rapariga de estatura média para a sua idade, envergando capa e batina que se agigantava frente a um jovem de idade aproximada à sua, mais alto, bem constituído, com a cabeça coberta por uma mistela de cor esbranquiçada, o que lhe conferia um aspecto bem desagradável. O rosto do jovem mais parecia a paleta usada de um pintor desatinado. Ela, falando em simultâneo para um telemóvel e para a pessoa que tinha à sua frente gritava num tom de autoridade violenta, ou de demonstração de poder discricionário: "Caralh... julgas que eu não estou a ver! Filho de... "
Tentei perceber pelo contexto a que se refeririam as admoestações e supus que o jogo implicaria não levantar os olhos do chão. O rapaz, de pé, ligeiramente curvado, lá continuava com os olhos imóveis, pregados ao chão, numa demonstração de submissão e abdicação de si face ao exercício do poder que me impressionou.
Cena 2.
Numa escola de Évora, hoje, numa turma de 5º ano, um telefone toca à entrada para uma aula. o aluno de cerca de 10 anos visivelmente incomodado, dá sinais de não saber o que fazer ao aparelho. A Professora lança ao rapaz e à restante turma um grito tão imediato quanto intimidatório : " então não vos foi dito que era proibido o telemóvel ? Isso não ficou bem claro na reunião de apresentação? " O rapaz, acanhadamente, tentou justificar-se "mas eu... não ainda não o sei desligar..."
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O ano lectivo começou. Está em curso a instalação de rotinas que se prolongarão na vida das crianças e dos jovens, dos pais, dos professores e de uma alargada comunidade que se relaciona com a escola mais ou menos intensamente até ao próximo Verão.
Na complexidade destas rotinas avulta a dedicação renovada de milhares de profissionais que se assumem ao serviço de uma construção social tendencialmente mais equilibrada e consciente. Mas, persistem também neste cosmos da educação alguns vícios e hábitos inconscientes que tendem a perpetuar-se. A prática de gritar com as crianças, adolescentes, com os outros, afigura-se-me tão grave quanto prejudicial para aquela construção para a qual nos propomos contribuir enquanto pais, professores e restante comunidade educativa.
Apesar de não ser aceitável gritar é por demais comum. São demasiado frequentes as descrições dos gritos como forma de impor a autoridade quer na sala de aula, quer em casa, quer mesmo noutros locais. Esta é mesmo uma das mais reiteradas queixas dos mais jovens relativamente ao "sistema de educação", o que me parece constituir terreno fértil para a reflexão sobre o que mudar e como fazê-lo.
A propósito da pertinência do tema, o portal educare.pt publica hoje uma entrevista a um especialista que defende que "Devemos ser compreensivos com a perda de controlo de muitos educadores no desempenho de uma tarefa tão complexa e difícil. Não é o mesmo uma perda de controlo pontual e um estilo de comunicação agressivo e autocrático sistemático ". O problema é que a comunicação agressiva continua a ganhar terreno. A impôr-se em contextos formais e informais. Nos territórios da educação, do lazer das relações interpessoais. Desde muito tenra idade.
Será de esperar, com esta realidade, a construção de cidadãos livres, desassombrados, na plenitude do seu estatuto de igualdade face ao outro ? Ou admitimos sem indignação nem óbice maiores, tornando-nos cúmplices e corresponsáveis pela educação, construção e promoção de escravos e senhores, pessoas submissas ou subjugadoras que sobrevivem no contexto social (escola, trabalho, casa) sempre e só pela via do exercício do poder, independentemente do lado em que se posicionam.