Deixei-me seduzir pelo novo episódio de Star Wars. Depois de ter vibrado com a primeira série na minha juventude, em que a fantasia no Espaço era ainda de facto uma novidade, depois de ter vibrado na infância dos meus filhos com a primeira sequela que já os apanhou “tu-cá-tu-lá” com esta multiculturalidade fantástica, eis senão quando, por acaso na noite em que Paulo Portas anunciava o fim de outra sequela à frente do CDS, mas é como digo, por mero acaso, lá me sentei para ver O Despertar da Força e vibrei de novo.
Confesso que estava com a quase certeza de que me ia desiludir. E desiludi-me, mas ao contrário. O preconceito de que a idade me faria ser muito negativamente crítica relativamente a um género de filme demasiado pop parece que foi ultrapassado pelo lugar-comum de que a maturidade nos permite pôr várias coisas no seu lugar e continuar a tirar partido, ainda que por outros motivos, daquilo que já parecia ultrapassado. E mais uma vez Vergílio Ferreira exprime esta sensação ou percepção de forma magistral quando escreve que «O tempo que passa não passa depressa. O que passa depressa é o tempo que passou.».
Foi quase comovedor rever a princesa Leia e Luke Skywalker marcados pelos riscos do tempo e a sê-lo à moda do Vinho do Porto, acho eu. Lembrei-me de como, perante a minha muda incompreensão, a minha avó vibrava com as notícias que diziam respeito à Grace Kelly e restante família monegasca e confirmei que, mais ou menos próximos ou distantes, todos acabamos por seguir algumas sagas ao longo das nossas próprias vidas, numa espécie de reescrita doméstica ou escrita paralela à vida que temos de tocar para a frente. Fazemo-lo também, cada um à sua maneira, com matéria mais ou menos histórica ou ficcional, mais ou menos erudita ou comum, de estrelas que usamos para nos irem enfeitando como luzinhas de gambiarra o lado do tédio do dia-a-dia.
Aceitei o lado irrealista e espalhafatoso, de muitas das cenas, que continua a proteger os mortais em situações de óbvio risco no mundo sério em que vivemos, como quem aceita alguns relatos quase-mitómanos ou expressões exageradas de gente de quem esperamos isso mesmo e com quem continuamos a conviver por razões de laços criados ou atávicos. Aceitei e diverti-me. Afinal, não temos que olhar para as estrelas e para os planetas e perceber do que são feitas para querermos continuar a admirá-las ali, presas àquele cenário escuro… Aceitei as requentadas relações familiares difíceis que se continuam a servir com uma intenção de novidade inaugural, porque também já percebi que, mais coisa menos coisa, os comportamentos humanos têm padrões irrecusáveis. Aceitei e reconheci que as paixões nascem e se alimentam, obviamente, muito mais pelos sentidos do que pela razão, o que faz com que inteligentemente se escolham para o sucesso corpos e feições que atraem os espectadores de agora, para além do politicamente correcto que começamos a implementar nos discursos, mas que ainda praticamos como excepção.
Enfim, fiquei muito contente por não ter saído daquela sala, cheiinha de gente de todas as idades, a dizer que “no meu tempo é que era bom”, o que enfim, também não é muito diferente em disparate do que ouvimos quando as mais jovens gerações não são capazes de se predispor a aprender alguma coisa com as anteriores. Mas pronto, é bom sentir que o tempo passa ao seu ritmo e nós não tentamos ludibriá-lo, ludibriando-nos. São batalhas que vamos ganhando ao Tempo por não nos metermos em guerras de estrelas, talvez.
Até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira (crónica na rádio diana)