Finalmente o novo governo tomou posse. Quando se esperava que falassem de propostas políticas, de expectativas e de mudanças, eis que alguma comunicação se centrou na cor da pele de uma Ministra, na etnia de um Secretário de Estado e na forma diferente de percepcionar o mundo de uma Secretária de Estado.
Títulos acintosos, comentários reveladores do que pior existe debaixo da pele de algumas pessoas, tudo isso era esperado e nada surpreendente.
O que me surpreendeu foram alguns textos piedosos nas redes sociais, onde todos salvamos o planeta, todos somos solidários, ninguém é egoísta e ninguém é racista. A sociedade perfeita sentada no confortável sofá e com a tecla do “backsapace” sempre disponível para apagar qualquer palavra que tenha saído “sem querer” e que revele algum pensamento politicamente incorrecto.
Habituei-me aqui na nossa cidade a ouvir comentários depreciativos sobre os ciganos, a maior das vezes eivados de um preconceito irracional transmitido de geração em geração.
Esperei para ver como reagiriam essas almas perante a existência de um Secretário de Estado filho de pai cigano. Será que iriam fazer as mesmas afirmações que normalmente começam com a palavra “eles”?
Qual não foi o meu espanto quando algumas dessas pessoas apareceram como grandes arautos da igualdade, da não discriminação em função da origem étnica, insurgindo-se e indignando-se contra os insultos da cloaca de alguma comunicação social.
Questionei-me se teriam mudado de opinião de forma repentina, tendo em conta que, a alguns, ainda há pouco tempo ouvia frases como “eles só querem é viver de esquemas” ou ter o silêncio como resposta à pergunta “qual de vocês dava emprego como empregada doméstica a uma cigana?”
Depois fui ler melhor o que estava na base da repentina rendição aos valores da multiculturalidade, através dos argumentos de defesa do Secretário de Estado, e percebi que assentavam todos no facto do senhor ser advogado, ter sido presidente de câmara e, pasme-se, vir de uma família que produziu dois licenciados.
Se nas mesmas condições o cidadão em questão vendesse de feira em feira, vestisse de preto e usasse chapéu, teriam ficado caladinhos porque jamais assumiriam nas redes sociais qualquer preconceito que desfizesse o mito do cidadão perfeito, mas também não se atreveriam a vir em defesa do óbvio valor da igualdade.
Mas o cidadão em causa “vive como nós”, está “integrado” e como tal a sua origem não interessa nada.
Percebi que aquilo que eu considerava um preconceito baseado em diferenças étnicas ou culturais, não passava afinal de preconceito social.
O problema para essas pessoas, afinal, não é a etnia, é o viver como elas ou de forma diferente.
O que eu desejo é que o cidadão que agora tem o cargo de Secretário de Estado da Autarquias Locais seja capaz de pugnar pelo reforço da autonomia do Poder Local, que se proponha alterar a Lei das Finanças Locais e a faça cumprir, que liberte as autarquias locais da canga do princípio inconstitucional da tutela de mérito e que seja uma ponte de diálogo franco com o poder local.
Se o cidadão em causa teve um pai cigano ou ameríndio é-me absolutamente indiferente, como me é indiferente a forma como se veste, os seus gostos pessoais, as suas crenças religiosas ou a sua vida familiar.
Até para a semana