A 10 de Novembro, uma maioria de deputados com assento na Assembleia da República rejeitou o programa do governo empossado pelo Presidente da República e os partidos que representam assinaram um conjunto de acordos bilaterais que permitem ao PS constituir Governo.
A coligação de direita falou de golpe e de usurpação de poder, ameaçou com o caos, abriu o livro das desgraças e rogou pragas ao futuro.
Para quem andou, desde sempre, a afirmar que as eleições legislativas tinham como fim eleger uma assembleia plural de deputados e não um governo ou um primeiro-ministro, como plasmado na Constituição, teve no passado dia 10 o reconhecimento prático de um facto sempre sonegado por aqueles que defendiam a existência de um arco que excluía uma parte significativa dos portugueses representados.
A 10 de Novembro quebrou-se um tabu. Afinal é possível que, forças políticas com diferenças programáticas significativas, acordem entre si um programa mínimo que permita suportar um governo comprometido em parar a barbárie e devolver ao povo a esperança de um outro caminho.
Todos sabemos que tal possibilidade resulta de uma conjugação de factores que até este momento não se tinham verificado e “obrigaram” os actores políticos a esta decisão histórica.
Todos, os que nos reclamamos de esquerda, depositamos uma enorme esperança neste caminho, mesmo sabendo que está no início, que as curvas são apertadas, que a solução encontrada terá que governar com a oposição feroz da maioria dos infestam a comunicação social e que a intriga política irá apostar no aprofundar das legítimas diferenças entre os partidos que suportam a solução encontrada.
Os tempos que se aproximam serão muito exigentes e exigirão de quem procura uma ruptura com o caminho da austeridade, o discernimento que apenas a inteligência pode suportar e a coragem que a apenas as firmes convicções podem garantir.
A esta data não sabemos ainda o que irá decidir o actual Presidente da República e tendo em conta o que se conhece do personagem todas as cautelas serão poucas, embora a sua margem de manobra tenha ficado muito reduzida e provavelmente não lhe restará outra opção que indigitar o secretário-geral do PS como primeiro-ministro.
Se acontecer o que desejamos, vamos precisar em Belém de alguém que seja um garante do cumprimento da Constituição e não um chefe de seita que monte uma guerra de guerrilha contra o governo e a maioria que garante o seu funcionamento, e é neste contexto que a batalha das presidenciais assume um carácter decisivo.
São muitas batalhas em simultâneo, sempre foram, mas o capital de esperança que se viu reforçado a 10 de Novembro irá seguramente municiar os que todos os dias lutam contra as inevitabilidades e os caminhos únicos.
Que ninguém se atreva a desistir. Os nossos filhos não nos perdoariam.
Até para a semana
Eduardo Luciano (crónica na radiodiana)