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Será a Cidade que habito mais lugar de imagens do que de pessoas?

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Escrevo porque sinto necessidade de alertar: As cidades, ou o lugar onde os humanos vivem não são suportáveis, nem sustentáveis, apenas como lugares-imagem. Têm de ser espaços de encontros, quer isto dizer, espaços de manifestações múltiplas de humanidade. Sob pena de deixarmos de ser pessoas e nos revelarmos apenas sombras, ou quando há mais luz, reflexos de gente.
Ontem, pelas 3h da tarde foi a enterrar no cemitério dos Remédios em Évora o corpo do jornalista José Frota.
No momento em que os primeiros torrões de terra caíam sobre o seu caixão estavam a testemunhar o ato 40 pessoas. Incluindo os funcionários do cemitério e da funerária.
Não sou assídua de funerais. Interpreto o momento da morte como de recolhimento e discrição. Mas ontem, gritaram demasiado alto as ausências.
José Frota foi professor, explicador, jornalista. Tinha 69 anos vividos em Évora. 69 anos relacionados com muitas instituições, com diferentes poderes, inúmeras pessoas que com ele se relacionaram dos mais diversos modos. Os seus textos, conversas, ações, geraram conflitos, criaram ânimos, passaram mensagens, imagens, ideias. Umas vezes José Frota aproximou-se mais do cerne das coisas, outras ficou distante. Umas vezes foi amado, muitas foi odiado. Mas, inequivocamente, foi um homem intimamente relacionado com o espaço público de Évora e do Alentejo. E no momento da sua partida, apenas alguns (muito poucos) espaços privados se manifestaram.
Será este um sinal de que em Évora o espaço público é apenas uma miragem, ou uma irrealidade em que alguns julgam mover-se?
Se Évora é uma cidade que apenas reconhece imagens, papeis e estatutos sociais, e que repele,ou seja, não identifica como seus, nem valoriza as pessoas que nela vivem (com as suas especificidades, virtudes e defeitos) não será nunca Cidade de pessoas, nem poderá almejar forjar encontros. Resumir-se-à, sim, a um lugar de imagens. Ou seja, um sítio onde logo que a luz se apaga, quando falta energia, tona-se evidente que não existe como espaço de humanidade, no sentido de que está/é ausente o reconhecimento, a valorização, a identificação das pessoas enquanto tal.
José Frota alertou-me no momento da sua partida, por via dos silêncios e das ausências, para a aflitiva fragilidade ou gritante exiguidade do espaço público em Évora.

Dores Correia(aqui)

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