Continuo longe, mas não esqueço as pessoas e as causas que importam.
Hoje, recordo a exploração mineira da Boa Fé, a propósito da catástrofe do Colorado. Para os menos atentos às notícias em letra miúda, uma fuga de lamas tóxicas que afecta populações a pelo menos 160 quilómetros do rebentamento acidental de um tanque de rejeitados de uma mina de ouro abandonada.
Abraço grande
Hoje, recordo a exploração mineira da Boa Fé, a propósito da catástrofe do Colorado. Para os menos atentos às notícias em letra miúda, uma fuga de lamas tóxicas que afecta populações a pelo menos 160 quilómetros do rebentamento acidental de um tanque de rejeitados de uma mina de ouro abandonada.
Abraço grande
Uma fuga de lamas tóxicas de uma mina abandonada no Estado de Colorado, Estados Unidos, dá-nos números reais de comparação com a realidade que se prevê para a Boa Fé, Évora. Os dados são retirados do artigo “Fundos estaduais pagam fuga de mina de ouro”, publicado no final do dia 10 de agosto no jornal The Wall Street Journal (http://www.wsj.com/articles/colorado-pledges-funds-to-help-clean-up-gold-mines-sludge-spill-1439237643) – tradução aqui.
Para que conste e pensemos sobre “o que só acontece aos outros”, avanço algumas questões.
No Colorado– O imprevisto desastre libertou “cerca de três milhões de galões [quase 11.300 metros cúbicos, ou 11,3 milhões de litros] de efluentes tóxicos”.
Na Boa Fé – A chamada Barragem de Rejeitados – que não é em betão armado – foi planeada para concentrar mais de 2,5 milhões de metros cúbicos de efluentes deste tipo. Uma fuga pode, pois, ir a 220 vezes a do Colorado.
No Colorado– Entre 7 e 10 de agosto, os governos dos Estados afetados disponibilizaram mais de 1.580.000 euros para travar a fuga e proceder às primeiras ações de limpeza.
Na Boa Fé – Bem dizia o diretor técnico da empresa mineira que pressiona para a extração de ouro na Boa Fé, que o Governo português não deve gastar mal gastos os “lucros” desta concessão – avaliados, muito por cima, em 7 milhões de euros! Em Portugal, não haverá sequer outro Estado com quem partilhar os prejuízos e temos exemplos de recuperações de 4 milhões, no nosso próprio país…
No Colorado – “A lama que desceu o rio Animas e foi desaguar no rio San Juan contém contaminantes como chumbo e arsénio, resultantes da mina de ouro”
Na Boa Fé – Que nunca seja tão fácil plagiar uma notícia: A lama que desceu as ribeiras a partir de Monfurado e foi desaguar no rio Sado contém contaminantes como chumbo e arsénio, resultantes da mina de ouro…
No Colorado – “a mina de ouro Gold King Mine, a norte de Silverton, no Colorado, uma de milhares de minas abandonadas em todo o ocidente dos Estados Unidos”
Na Boa Fé – A uma escala tão diferente, o nosso país tem mais de uma centena de minas abandonadas que representam perigo grave para o Ambiente e para as populações. Não chegam estes dois simples exemplos, o português e o norte-americano, para provar qual é o método mais comum de “encerramento” da actividade mineira? É que pode pegar-se em qualquer outro país… Quem paga os danos destes abandonos são sempre as populações e às vezes os Governos – ou seja, outra vez as populações!
No Colorado – Propõe-se o Governo estadual trabalhar“para garantirmos que isto não volta a acontecer”.Quem terá sido o primeiro político a proferir esta frase? Se cobrasse direitos de autor, estava milionário. Como aquele outro que assinou por baixo que “nunca tal vai acontecer”!
No Colorado – “mais de 1.000 poços locais foram afectados”
Na Boa Fé – O número 1.000 ajuda muito… a confundir. Basicamente, todos os poços que estejam no caminho, por terra ou por via subterrânea, serão contaminados. “Todos”é muito mais catastrófico do que qualquer número, porque é a sentença de morte para animais, plantas e atividades económicas! A preocupação com a água é legítima e fundamental. Mas a verdade é que o solo também será afetado por muitas décadas. A vida no campo não se dá com contaminantes deste teor. Mesmo que alguns insetos se aguentem uns dias na zona, a cadeia alimentar fica inevitavelmente comprometida. Senão, engarrafavam-se os rejeitados e vendiam-se como adubo.
No Colorado – “as atividades recreativas do final do verão, vitais para as economias locais, foram totalmente encerradas”
Na Boa Fé – A Boa Fé só tem ribeiras, parece que está em grande vantagem… Todas as actividades económicas serão profundamente afectadas. Por toda a bacia do Sado até Setúbal, não apenas na minúscula freguesia da Boa Fé.
No Colorado – “os efeitos da fuga ainda permanecem uma incógnita”
Na Boa Fé – Os efeitos concretos vão demorar muito tempo a ser avaliados e muitos vão ser passados em branco, sobretudo os que não são estritamente economicistas, dependendo essa contabilidade da mobilização da sociedade civil. O mais triste é que ninguém parece preocupado em antecipar cenários deste tipo, fazendo uma simulação do que poderá ser preciso fazer. É responsabilidade da Proteção Civil ver como se aplicam as intenções piedosas contidas no Estudo de Impacte Ambiental, não é?
No Colorado – “A verdadeira frustração é não termos dados”
Na Boa Fé – Eis uma frustração que, em Évora, vem desde que se fala de exploração mineira: os responsáveis políticos aprovam um projecto deste calibre sem dados que o justifiquem, só com sofismas! Se não é frustrante ver os decisores técnicos e políticos a polir cenários dourados que camuflam lamas de arsénio e chumbo, digam lá o que é frustração.
No Colorado – “Stakeholders Group [Grupo dos Utentes do Rio Animas, solução mista participativa de monitorização das alterações ambientais, durante e após a extração mineira], composto por organizações ambientais locais, juntamente com as empresas mineiras e organismos federais e estaduais”
Na Boa Fé – Eis uma figura paliativa, que, em momentos de crise, se revela completamente inútil. Talvez porque repousam a sua atividade nos estudos que há dinheiro para fazer – o que, em Portugal, será previsivelmente… zero?
No Colorado – “não temos dados sobre o que compunha o fluxo contaminado, quando atravessou a cidade"
Na Boa Fé – Nós temos; pelo menos os que estão no Estudo de Impacte Ambiental. São
· * 1.080 toneladas de sulfato de cobre,
· * 252,5 toneladas de amil xantato,
· * 55 toneladas de um produto floculante muito melhor do que o inicialmente previsto e que foi retirado do mercado, sendo que já esse era perfeitamente inócuo, de acordo com o Estudo apresentado pela empresa,
· * 95,5 toneladas de cobre,
· * 63 toneladas de zinco,
· * 8,9 toneladas de chumbo
· * 10.777 toneladas de arsénio.
Qual o efeito real de cada uma destas toneladas, não parece preocupar ninguém. Nem a Universidade se dispõe a estudar o impacte destes dados num cenário como o do Colorado. Porque a empresa garante e o Estado Português acredita que o risco é…”baixo”. Quando acontece, passa a “gravidade alta” nas condições de vida de todos os seres vivos atacados pela fatalidade.
No Colorado – teme-se que“mesmo depois da passagem do fluxo tóxico, os sedimentos contaminados possam infiltrar-se nos poços”
Na Boa Fé – É uma lei da Natureza: quando se altera o equilíbrio milenar, os compostos químicos reagem geralmente mal. E demoram mais uns centos de anos a regressar à sua coexistência pacífica com os seres vivos. Até lá, os sobreviventes que se mudem. De preferência para sítios diferentes daqueles que as empresas de extração cobiçam!
No Colorado – 100 milhas de rio atingido
Na Boa Fé – Ora, 160 quilómetros, na bacia do Sado, partindo da Bacia de Rejeitados da Boa Fé, dá para chegar… oh, à cidade de Setúbal e aos empreendimentos de Tróia! E eles que nunca se interessaram pelas consequências (egoístas) deste projeto “lá longe”, na Boa Fé. Falem com os colegas de Durango e talvez aprendam alguma coisa útil.
O que aconteceu no Colorado parece ser uma situação no âmbito do componente ID12 dos Estudos de Impacte Ambiental: “Falha de gestão e supervisão”. No caso da mina que se pretende abrir na Boa Fé, o Estudo da empresa confessa que: “Não foram avaliadas (…) por se relacionarem com causas e com gravidade muito variáveis”.
E para que conste, apresentam-se fatores de segurança dos paredões da Barragem de Rejeitados de 1,7 em condições estáticas e 1,3/1,4 em termos de estabilidade sísmica, “valores considerados satisfatórios”. Para mim, que sou leiga em resistência de materiais, alguém me diga em quanto isso valoriza os terrenos e os negócios dos vizinhos abaixo da Barragem de Rejeitados? E quando, porque pode dar-se o caso de só por indemnização os seus terrenos virem a ter algum interesse em tal vizinhança.
Ana Cardoso Pires
Relacionado: https://projectomineirodaboafe.wordpress.com/.
Ana Cardoso Pires
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