Joaquim Palminha Silva |
Portugal, país de arqueologia política e social, de intermitente prática cívica, com enraizados hábitos de subserviência que a ignorância geral confunde com cortesia, de grande percentagem de população vivendo com doses de superstição à mistura com uma religiosidade primária, mas tendencialmente conservadora, tem sido apresentado pelos governos destes últimos tempos como uma terra de esplêndido triunfo, por considerarem o país óptimo “aluno”, obediente às directivas da UE (União Europeia) e, portanto, sofrivelmente “europeu”…
Contra os advérbios governamentais desfraldados sob a tutela da dívida externa, deveriam pelo menos envergonhar-se os portugueses… Mas não! – Basta estar atento, ver os títulos dos jornais para satisfação da populaça, ligar a televisão pública ou privada, escutar as conversas de rua e café, tomar nota das “praxis” académicas e da palhaçada da “queima das fitas” dos supostos estudantes, para ter uma noção do estado de indigência mental (e moral!) a que Portugal chegou!
Foram, pois, e em consequência, considerados exagerados, talvez ”perigosos” e “subversivos”, os poucos cidadãos que lucidamente avisaram a “turbamulta” de que a UE era um logro, pois se tratava apenas de “sociedade” de difusão e controle neo-colonial, cuja face visível é a prática de efectivo imperialismo dos países mais ricos (do norte) sobre os mais pobres (do sul)!
Entretanto, eis que um dia destes (jornal Público, 20/2/2015) aconteceu inédita revelação, e ao mais alto nível. O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, numa sessão em Bruxelas do «Comité Económico e Social Europeu», declarou: - «Pecámos contra a dignidade dos povos, especialmente na Grécia, em Portugal e também na Irlanda. Eu era presidente do Eurogrupo e pareço estúpido ao dizer isto, mas há que retirar lições da história e não repetir os erros.».
É a confissão de um “diabo” que sabe poder pecar sem castigo algum e, em suplemento, cometer a obscenidade cínica de vir a público dizer ter pena dos “coitadinhos”!
Sem desculpar os governos nacionais e a sua péssima gestão dos fundos públicos, Portugal e Grécia sofrem, pois, o neocolonialismo da UE, que os chantageia com os empréstimos (nunca é demais lembrar!) se os seus governos não abdicarem de fatias importantes do tecido empresarial público em favor de grupos privados, liquidarem as pequenas e médias empresas nacionais com uma carga fiscal suicidária, nivelarem os salários por critérios que apontam para o século XIX e, por último, extorquirem parte das reformas aos velhos, etc..
Em poucas palavras: - Se querem receber a esmola de uns trocos para pagamentos urgentes, estes países tem de aceitar o controlo político e financeiro de Bruxelas que, revelando um grande desprezo por Parlamentos, Deputados e governos “indígenas”, todos os dias esmaga e humilha as instituições democráticas autóctones… e pratica uma tremenda malignidade anti-cristã!
A exibição do poder imperial já não é feita com os tanques a atravessar a fronteira (por enquanto), mas com “linhas” de crédito, com dinheiro… Todavia, o conteúdo ideológico destas ameaças é bafiento, antigo e, como sempre, pinga sangue, suor e lágrimas…
O Egipto de 1879 e a Venezuela de 1901, por exemplo, viveram acontecimentos que nos devem fazer reflectir… No primeiro caso, por ausência de uma “resposta conveniente” sobre a dívida, os franco-bristânicos passaram a tutelar o país. Uma acção nacional (1882) sem sucesso levou os ingleses a assumirem o controlo total do Egipto… No segundo caso, os navios militares alemães ameaçaram o país, entretanto endividado e incapaz de saldar as suas dívidas para com a Alemanha…
Apesar de ainda não serem ameaçados militarmente, os países do sul europeu, fragilizados económica e socialmente, assistem à contínua desnacionalização das suas economias, à desvalorização da sua independência política e à situação de territórios sob vigilância, sendo realmente tratados hoje como ontem o colonizador tratava os povos indígenas! – Melhor!…Há agora a vantagem da “sociedade” neo-colonialista e imperialista ter conseguido que os “indígenas” se martirizem uns aos outros, poupando assim recursos militares e técnicos na ocupação do território…
Por vontade governamental, e não por referendo popular, Portugal aderiu à UE ontem, convencido (ingenuidade ou imprevidência?) que entrava na “modernidade”, para acordar hoje como país neo-colonizado, tutelado e sob vigilância imperial liderada pela Alemanha!
Foi para chegar a isto, à situação de humildes vassalos, que os capitães de Abril de 1974 nos libertaram da ditadura salazarista?! Foi para vivermos sob a influência dissolvente dos cofres da finança estrangeira, sofrendo a imundice dos políticos nacionais curvados na idolatria do Kapital, embrulhados em corrupção, entalados em aldrabices?!
Foi para chegar a isto, não nos dizem?!
Mas mais absurdo que tudo é esta questão: - Contaminados pelo desemprego prolongado dos trabalhadores portugueses, a dignidade e a cidadania tornaram-se improdutivas e, da virilidade do pensamento e acção de outrora, passaram a viver sonolentas e, bocejando, ganharam agora uma enorme preguiça mental!
Portugal hiberna…