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Channel: A Cinco Tons
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Carta aberta a Beatriz

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(A propósito do Sony World Photography Awards, ganho por uma jovem eborense)

Cara Beatriz, hoje é o dia em que uma multinacional te vai entregar um prémio por uma fotografia que conseguiste num momento particularmente feliz.
Como a coisa tinha um carácter internacional, eram muitos os concorrentes e tu apenas tens 15 anos, cá pelo burgo deram visibilidade ao teu feito com entrevistas, reportagens e convites para participares em programas de televisão.
Gostei de ler e ouvir o que foste dizendo acerca de como congelaste aquele pedacinho de tempo, de como viste para além do enquadramento, da luz, da cor, da velocidade e de outros pormenores técnicos,
Gostei da forma como não te esqueceste de referir o papel do teu pai e a herança do teu avô, de como fugiste de expressões como sucesso ou orgulho e como colocaste a tónica num futuro que passa por coisas diferentes, quando o mais fácil seria o encantamento pelo momento e lá te sairia a expressão, “quando for grande quero ser fotógrafa”.
Num mundo em que há quem venda a alma ao diabo por cinco minutos de fama e em que milhares de jovens fazem fila para participar em concursos televisivos de conteúdos inenarráveis, foste capaz de afastar respostas óbvias, considerações que todos esperam e projecções de futuro igualmente óbvias.
Mal te conheço e não me deveria atrever a sugerir-te seja o que for, mas ainda assim deixa-me lá dizer-te que gostaria que olhasses para este momento, que pode ser irrepetível, como um espaço temporal de reflexão sobre como nos queremos relacionar com os outros, como queremos contribuir para a luta por um outro mundo.
Gostaria que fosses capaz de entender que aquele momento que registaste e que te permitiu este reconhecimento público, só foi possível pela argúcia do teu olhar, pelos conhecimentos técnicos que foste adquirindo, pela ambiência familiar e pela sorte de estares no sítio certo e porque fotografaste o Alentejo.
Não o Alentejo das paisagens bucólicas ou do património construído, mas o Alentejo da memória do trabalho, da solidariedade, da coragem e tenacidade que permitiu resistir à exploração, cantando em colectivo.
Gostaria que, quando mais tarde olhasses para esta fracção da tua vida, sentisses orgulho por teres sabido captar aquele momento único e tivesses consciência de que até o gesto mais individual, como fazer disparar o obturador de uma máquina fotográfica, resulta da conjugação do trabalho colectivo,
Sei que logo à noite, em Londres, quando receberes o prémio que reconhece um momento genial, não te irás lembrar de nada disto, mas tenho a esperança que te lembres mais tarde.
Poderia dar-te os meus parabéns pelo prémio alcançado, mas seria vulgar. Prefiro dar-te os parabéns pelo facto de teres dito a quem representa um programa de televisão “a essa hora não posso, porque tenho aula de matemática”.
É que a cerimónia de hoje à noite tem a ver com algo que fizeste, a tua resposta à produtora televisiva tem a ver com o que és.

Eduardo Luciano (crónica na rádio diana)

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