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Opiniões & Opiniões

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Joaquim Palminha Silva

  Desde quando os portugueses se encontram exilados da Filosofia e mergulhados no pântano das opiniões e comentários?
  Os antigos ainda cultivavam o terreno da inquietação existencial, exercendo a sua prática as mais das vezes nos vastos campos da religião, em conformidade com a gnose cristã…
  Depois da nossa antiguidade medieva e renascentista só nos aconteceram intermitências, fogos-fátuos, digamos assim: - Antero de Quental, Sampaio Bruno, António Sérgio, Leonardo Coimbra, Joaquim de Carvalho, Vieira de Almeida, Eduardo Lourenço, e pouco mais…
    Na realidade, a implacável roda do tempo provocou desde sempre mau ambiente para a sobrevivência das correntes de pensamento que vão mais longe e, passando a superfície da alma, mergulham fundo no leito das suas inquietações. Há, pois, uma longa desabituação do pensamento português, sempre a correr atrás do movimento incessante da vida, sem tempo, portanto, para arquitectar uma estrutura cultural que lhe perspective o futuro. Em termos lusitanos, se assim posso dizer, existe um contínuo conflito entre a vida e a cultura… Se uma avança, a outra parece que fica quieta, imutável.
            A causa principal desta ligeireza do “pensamento” lusitano deve estar directamente relacionada com as Descobertas e a Expansão Ultramarina. Absorvido pelas viagens e extasiado pelo achamento de “mundos novos”, de tão atarefado, o português nunca mais teve vagar para pensar, para “se pensar”! Enfim, em contacto com o mundo, o português andarilho consumiu-se paulatinamente pelos cinco continentes…
            Desde então, processou-se uma reviravolta no “pensamento” português, baralharam-se as ideias, e a opiniãoinstalou-se a vários níveis como corrente de substituição. Acessível ao maior número, menos trabalhosa de praticar, por certo pouco artilhada de dialéctica, e, por isso mesmo, fácil de desbobinar… A partir daí abriu a opiniãoo seu caminho em plena liberdade. Se pouco ou quase nada penetramos no interior dos territórios que íamos descobrindo; se pouco reflectimos, tivemos em contrapartida mil opiniões sobre terras e gentes, fundamentadas em impressões de superfície. A literatura dita Ultramarina é, pois, um imenso catálogo de opiniões…turísticas e missionárias!
            Houve portugueses de entendimento desempoeirado, cultos e viajados, de boa têmpera cerebral, que não perderam de vista uma relativa racionalidade na investigação sobre o outro, seus costumes e pensamento, sua religião e rituais cívicos. O Padre António Vieira poderá ser arrolado nesta curta lista, bem como o Pe. Luís Fróis com a sua «História de Japam» (finais do século XVI), publicada pela 1ª vez completa e em edição cuidada no ano de 1976, sob o patrocínio da Direcção-Geral do Património Cultural/ Biblioteca Nacional de Lisboa. Todavia, apesar destas excelentes tentativas de dois jesuítas, a opinião prevalece sobre a indagação filosófica.
            Na verdade, a opinião é o macaco da Filosofia!
            Esperando aprender alguma coisa dos “segredos” desta última, a opinião chegou mesmo a desposar uma ou outra ideia filosófica. Porém, estas ideias já se encontravam metamorfoseadas pela secular viuvez do seu conteúdo original, pelo que o resultado final foi um campanário paroquial barafustando com cem repiques. Faz-se hoje muito barulho por azinhagas e subúrbios, mas o ruído das opiniõesainda não produziu um esboço filosófico, um pensamento original…
            Depois de várias peripécias: raptos de ideias, reabilitações de velhas opiniões, vadiagens opinativas, intrujices diversas, os adeptos da opinião viram a consagração institucional desta última. Chegou, hoje, portanto, ao auge da sua existência usada pela multidão de charlatães dourados que vendem, sob diversos travestismos, a ideia de que estão em contacto com a «pedra filosofal» …
            Por fim, como se o “destino” caprichasse em harmonizar a vulgaridade com a charlatanice, o homem (ou mulher) de opiniãoacabou por alcançar um estrondoso êxito intelectual e social: - Transformando em político votado, director-geral, membro de governo, administrador de empresa pública, director e editorialista de revista e jornal, animador de programa na televisão.
            Empresário de jogos de palavras, de disparates nunca aferidos, sem correr qualquer risco ou dissabor, o homem de opinião entrou na História ao ritmo das engrenagens espectaculares, colecionando paradoxos, “ditos de espírito”, sobretudo, cultivando a sua obra-prima: - Tornar incompatível com a existência soberana da opinião o simples exercício do pensamento!
            Com o tempo e os sucessos da Democracia “administrativa” (formal mas não social), o contingente dos homens de opinião aumentou, fez-se exército. Manobra hoje na parada do Poder, dos jornais, do Parlamento, onde papagueia as suas habilidades.
            Todos nós assistimos, impávidos e serenos, às evoluções desta gente de opinião, dando-lhes às vezes a honra de nos comandar, de nos arbitrar.
            Portugal é, pois, um país de opiniões! Enfim, homens e mulheres que opinam agasalhados pela demissão dos poucos que pensam… - Aconteça o que acontecer…Lá vem a opinião do dia!

            Muitas vezes temos de fazer alto na nossa corrida do dia-a-dia, para que o homem de opinião possa mandar aplanar o caminho e, assim, poder rodar aliviado sobre a nossa existência, sobre o nosso pensamento… Lázaro de todo, o País já nada estranha, mas sempre sente a falta uma “boa” opinião, logo pela manhã…

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