Não é nada comigo. Faço-o por simpatia para com quem entende não dever fazê-lo e motivado por um sentido básico de cumplicidade solidária e um misto de desapontamento e mágoa.
Explico.
Em boa hora, está na rua o «Cenas ao Sul», programa de animação da cidade que promete – e tem cumprido – contribuir para o resgate de Évora ao abandono cultural a que a anterior gestão autárquica a tinha votado, envolvendo nesse desamparo os agentes culturais do concelho.
Não sei como outros a viram mas eu senti esta iniciativa como o indício de uma vontade de reconciliar a cidade com os criadores de cultura e entretenimento, pondo fim ao incompreensível (mas imerecido) castigo infligido aos eborenses.
Como tal, a decisão de fazer o «Cenas ao Sul», contra os ventos da inércia e as marés da adversidade, configura um acto de liberdade em que se adivinha o propósito inclusivo e agregador, o esforço de apaziguamento e harmonização de entidades desavindas, feito com a prudência adequada ao intento de sarar chagas ainda vivas.
Postos os ovos, a galinha canta. E o «Cenas ao Sul» é amplificado – legitimamente – com a publicação periódica de uma brochura que vai dando conta do já feito e do ainda a fazer, enquanto ausculta e dá voz ao testemunho popular, uma espécie de sensor do impacto da iniciativa, sempre tão útil a quem promove, com atenção e respeito pelos destinatários.
A folha inclui, assim, uma secção denominada «Vox Pop» onde são vertidas as opiniões sobre os eventos incluídos no programa, recolhidas por entrevista a pessoas seleccionadas de entre os seus frequentadores habituais.
O segundo número da dita brochura, agora dado à estampa, incluiria (entre outras) a opinião – muito favorável e lisonjeira para com o programa, sublinhe-se – de Maria Helena Figueiredo, cidadã de Évora e ex-candidata autárquica, pelo Bloco de Esquerda, ao município de Évora, de cuja inclusão havia notícia por contactos ocorridos entre os editores do caderno e a própria, tendo a impressão do seu testemunho chegado à fase final do processo de maquetagem mas, assombrosamente, erradicado da publicação. “In extremis”.
Pergunto: é lícito questionar a oportunidade (política, pois claro) para dar visibilidade à opinião (favorável!) de uma cidadã, em razão do seu público estatuto de opositora política? Nesta sede? Neste contexto? Neste veículo? Qual é a natureza do código deontológico aqui praticado? Política? Jornalística? Nenhuma? Que finalidade persegue esta lógica sectária, tacticamente mais interessada na qualidade de quem opina do que na substância da opinião? Ademais, misturando grosseiramente o que não é miscível.
Cabe aqui reafirmar o carácter autónomo deste depoimento que, apesar de feito com informação privilegiada, me responsabiliza exclusivamente e à minha condição de espectador atento e interessado, não sendo legítimo assacar à visada qualquer comprometimento com uma situação a que a própria, aliás, deu elegantemente o seu acordo, após ser confrontada com o insólito incómodo editorial. A propósito de incómodo, é justo exonerar os obreiros da edição, cujo papel não invejo.
No rescaldo deste infeliz episódio, com mera relevância simbólica, proponho uma reflexão sobre o eterno regresso a estes velhos métodos e práticas, ciclicamente e com redobrado vigor, quando menos se espera e mais razões há a temer do efeito devastador que têm sobre os processos unitários e de convergência.
Acabados de sair de um ambiente de grande hostilidade local para com a cultura e os agentes culturais, num momento em que a prioridade deveria ser a reconciliação de contendores e a minimização de divergências, parece perigosamente negligente o cuidado com que se gere este frágil ressurgimento. Ou não será assim?
* José Elizeu Pinto, cidadão eborense. (aqui)