Por motivos pessoais foi-me impossível fazer a crónica semanal na passada semana. Não quero, pois, deixar de comentar as eleições europeias e seus resultados. Farei a análise por pontos.
Porque é o meu partido, e porque quero deixar bem claro de início: O Bloco de Esquerda teve uma grande derrota eleitoral. Não conseguiu eleger mais do que uma deputada e não se conseguiu afirmar como uma força forte à esquerda. O resultado abrirá, naturalmente, um processo de reflexão. Mas convém vincar que os processos de reflexão são constantes no Bloco de Esquerda, algo que muito me satisfaz. Para esta reflexão serão chamados todos os aderentes, mas também todos os independentes que têm connosco feito tantas e tantas lutas.
Não será este o espaço para detalhar qual a minha opinião. Ainda assim, adianto o seguinte:
Tenho muito orgulho de todas as lutas travadas pelo Bloco e pela sua linha programática. Porque tivemos eleições europeias, e sintetizando as propostas a este nível, convém não esquecer que o Bloco foi o único a exigir um referendo ao Tratado Orçamental Europeu, e que sempre afirmou que este representa a continuação da política austeritária – uma política que despreza o trabalho em favor da grande finança. O Bloco afirma-se a favor da União Europeia, mas a favor de uma refundação de todas as suas instituições, e enquanto partido claramente de esquerda não entrou no populismo bacoco anti Euro, sabendo que o problema não reside na moeda única, mas sim na política económica comum. E sabendo, ainda, que com o Euro é possível haver uma reestruturação da dívida portuguesa, algo pelo qual sempre lutou, contra tudo e contra todos. Lembram-se do que nos acusaram na altura e como agora esta reestruturação é quase unânime? Defendemos e defenderemos uma Europa dos Povos, lutando activamente contra todas as desigualdades.
Apesar de uma linha programática clara e que deve orgulhar qualquer cidadão que se situe claramente à esquerda no espectro político, o Bloco não soube encontrar as melhores formas de comunicação destas ideias, e na tentativa de encontrar pontes à esquerda, esqueceu-se, muitas vezes, da sua matriz revolucionária, a qual deve afirmar claramente.
Recuso determinantemente que um partido de esquerda possa querer fazer rolar cabeças perante adversidades. Deixo claro que o debate em torno dos coordenadores do Bloco de Esquerda deverá ser mais um tema para reflexão, mas não o centro do debate. Num movimento de esquerda a responsabilidade é sempre colectiva. Apenas em partidos ideologicamente débeis se abre um debate em torno de caras, desvalorizando o debate político e ideológico.
Dizer que o PS ganhou as eleições é hoje claramente um contrassenso. Teve, de facto, mais votos do que qualquer outro partido ou coligação, mas demonstrou, claramente as suas dificuldades. Rapidamente iniciou um processo de cisão em torno de caras. Apenas demonstra aquilo que tem sido ao longo dos últimos anos: um partido com sede de poder mas sem linha ideológica clara e com disputas internas em torno de protagonismo. António Costa sempre quis a liderança do PS, deixou Seguro queimar-se e agora quer surgir qual D. Sebastião. Pelo meio, desrespeita todos os lisboetas, desprezando o lugar para o qual foi democraticamente eleito e demonstra no dia-a-dia que nada de real o separa de Seguro, sem ser o facto de ser mais simpático e atraente para o comum dos cidadãos. Há quem diga que a abstenção é um péssimo sinal para a democracia, eu diria que um mau serviço à democracia é o que PS / PSD e CDS têm prestado ao longo de décadas.
Vencedores das eleições, de forma muito sumária, porque o tempo não me permite uma análise exaustiva:
CDU – apresentou um discurso Anti-Europa, não sai afectado pela abstenção. Não posso deixar de felicitar alguns amigos que se envolveram nesta campanha, mas temo, porque a experiência assim o tem demonstrado, que este resultado reforce o lema "orgulhosamente sós" que tantas vezes tem sido seguido.
Aliança Portugal - Depois de destruírem ativamente e brutalmente o país. não ficarem reduzidos a nada só pode ser encarado como vitória
E claro, o MPT – recolheu os votos de protesto de todos aqueles que consideram útil votar, mas que não tem qualquer linha ideológica definida. Infelizmente, venceu a homofobia, a xenofobia, o populismo, e as manhãs da TVI, e não nos esqueçamos... Teremos no Parlamento Europeu um deputado que defendeu o líder dos skinheads português.
A abstenção é um péssimo sinal. Muito havia a dizer. Ainda assim, mais do que me preocupar com a quantidade de cruzes feitas, preocupa-me a falta de intervenção cívica e pensamento comunitário da maioria dos portugueses dentro e fora dos períodos eleitorais. Não posso deixar de compreender aqueles que não acreditam no sistema político-partidário. Todos os dias são bombardeados por notícias dos partidos do centrão, que demonstram o que a política tem de pior. Naturalmente, o fenómeno da generalização abusiva, leva a pensamentos do tipo “os partidos e os políticos são todos iguais”. É também contra esta generalização que a esquerda se deve levantar e demonstrar diariamente que há quem faça da política uma missão para o bem comum.
Para finalizar. Para mim, a Marisa Matias foi, sem qualquer sombra de dúvida, a melhor eleita da noite. Tenho um orgulho imenso de ter contribuído para a sua eleição. Uma mulher que já deu provas e continuará a demonstrar a força de uma esquerda socialista, combativa, rebelde, incisiva, preocupada e solidária.
A campanha terminou, mas o trabalho está todo pela frente. Uns quantos decidiram opor-se de pé! E tanto que gozaram com o "de pé"... Mas sabem que mais? Amanhã não estaremos de joelhos, não estaremos de cabeça baixa... Amanhã continuaremos de pé... E desobedeceremos...
Até para a semana!Bruno Martins (crónica na Rádio Diana)