Houve outro tema, ligado à exploração da Boa Fé de que não falou: a explicação do Presidente da Câmara sobre a não apresentação de uma análise das vantagens/desvantagens económicas da exploração mineira, a que estava comprometido pela AM de Dezembro. Ficámos a saber que a Câmara optou por pedir essa informação aos organismos do Estado... É muita ingenuidade, desconhecimento da causa, falta de vontade de mexer na questão – ou de tudo um pouco!
Ainda não entenderam que o Governo quer à viva força fazer a entrega da exploração mineira, sem fundamentação em qualquer estudo económico, financeiro ou outro? Considera-se dono da bola e chuta-a para onde lhe apetece, sem dúvidas nem explicações para ninguém, mesmo percebendo os danos irreparáveis que deixa para várias gerações. E esperavam que a empresa se fosse pôr a fazer estudos contra os interesses dos accionistas? Não se apercebem do cuidado que tem sido posto em contornar as questões mais óbvias?
É preocupante a aceitação passiva do argumento do Governo de que vai ter esses estudos, vindos da empresa, e depois os manda à Câmara. Assim que a empresa entregar os estudos – a que a consulta pública a obrigou, porque as dezenas de organismos públicos por onde o Estudo inicial tramitou não levantaram praticamente nenhumas das questões de fundo –, assim que a empresa o faça, o Governo oficializa a entrega da concessão em Diário da República! Depois mandará os textos todos ao Comissário Europeu do Ambiente e à Câmara, pois com certeza. Juntamente com um facto consumado, que comprometerá o Estado em alguns milhões de indemnização à Aurmont Resources, empresa unipessoal!
A Assembleia Municipal tem surpreendido pela positiva, nesta matéria, nas últimas duas sessões, com os representantes dos diferentes quadrantes políticos a manifestarem um esforço de entendimento sobre uma questão candente, como raramente se vê em órgãos pluripartidários.
O PS – que tem tantas responsabilidades como a CDU na introdução de cláusulas de abertura da Serra de Monfurado à exploração mineira – revela muito menos dificuldade em ultrapassar esse “mau passo” e afirma-se decidido a recuperar o tempo perdido. Neste momento, a Câmara em Évora é maioritariamente CDU: vai continuar a encenar um súbito apego a um absurdo “politicamente correcto”, para não se ver confrontada com a má avaliação feita anteriormente e que nos trouxe até aqui?
E explico já esse “absurdo” acima, antes que se apeguem a questiúnculas secundárias: é absurdo esperar que, numa reunião pública, daqui a um mês, um qualquer painel de técnicos venha concretizar informações que pura e simplesmente não existem tratadas! Um estudo das águas subterrâneas, inexistente até agora, demora anos a fazer. O empoeiramento, o arsénico, a vibração, até o ruído e a saúde pública vão seguramente desaguar em afirmações do tipo “cada caso é um caso”, quando muito seguidas de generalidades que não comprometam ninguém.
A empresa ficou de apresentar vários estudos, desde Julho de 2013, é verdade: mas ninguém lhe exigiu que fossem exaustivos nem abrangessem os problemas mais sensíveis. Vão ser meros pro forma e ninguém lhe irá à mão. Porque o processo está em “fase de execução”, já não vai à apreciação de ninguém. Não me perguntem como foi dado esse passo de gigante, que não sei; mas desconfio de que havia uma vírgula numa lei qualquer a justificar que assim fosse, apesar da enormidade do facto de a prospecção ser cavalgada por uma chamada "exploração".
Dito isto, acho que pode não ser tempo perdido fazer-se a tal AM extraordinária na Boa Fé.
Se vista como um pontapé de saída para o conhecimento da questão, a conferência-AM decidida ontem, pode ser útil, sob diferentes aspectos.
Porque constitui um alerta para a Comunicação Social, completamente amorfa se não mesmo comprometida num apoio tácito à exploração mineira. Assim a Câmara faça uma boa divulgação do que se vai ali passar.
Porque dá à população da Boa Fé, em grande medida desinformada e seguidista das atitudes das direcções partidárias, a noção de que o caso é mais sério do que os vendedores da imagem da empresa lhes apresentaram. Assim se criem boas condições para que assistam ao debate.
Porque dá ao restante município a noção de que o problema não afecta “apenas” umas aldeias periféricas do concelho, mas que, entre ruído, empoeiramento e repercussões económicas e de saúde, Évora – a 15 km em linha recta das cortas – não vai ficar incólume. Assim se trate de gravar e pôr em linha a sessão.
Se o painel de técnicos for bem escolhido, muita informação relevante pode ser esclarecida ou, pelo menos, suscitar novas questões.
Encontre-se um economista que se dedique a fazer a leitura dos relatórios da Colt (Canadá), da SKR e do Estudo de Impacte Ambiental: quanto da exploração se prevê reverter para o Estado português e em que condições; o que vai ficar por pagar, mesmo que a exploração decorra sem incidentes (como seja a retirada da empresa a meio do processo). Os danos ambientais vão exigir décadas de monitorizações e recuperações muito dispendiosas, sem que nada volte a ter a qualidade de antes. E desmonte-se a falácia dos quiméricos “postos de trabalho”! Era isto que se pedia à Câmara, em Dezembro.
Convide-se um especialista nas questões do arsénio para dar a sua leitura do que está no Estudo de Impacte Ambiental, esclarecendo os diferentes impactes daqueles milhares de toneladas mobilizados em explosões diárias durante 5 anos. Se não tiverem melhor opção, gostaria de ouvir o prof. Serafín González Prieto, membro do Consello Superior de Investigacións Científicas do Estado [Galego] e presidente da Sociedade Galega de Historia Natural, que promoveu diversas conferências sobre “o gravísimo impacto que sobre o sector agro-ganadeiro tería a mina de Corcoesto no caso de que a Xunta dea luz verde ao proxecto” (que efectivamente parou, na sequência da exigência do governo regional galego de uma caução de 25% do total do empreendimento.
O Departamento de Biodiversidade da Universidade de Évora tem uma intervenção técnica muito meritória sobre os impactes ambientais na Serra de Monfurado. O professor Chambel, da mesma Universidade, tem-se mostrado disponível e interessado em esclarecer as questões relacionadas com o comportamento hidrológico na zona.
Alguém do LNEC, do Técnico, do LNETI poderá esclarecer o comportamento do empoeiramento nas condições apontadas no Estudo de Impacte Ambiental.
Um médico com experiência em zonas mineiras (de Aljustrel, por exemplo, ou de Boticas, onde funciona uma mina a céu aberto, ainda que não com a mesma constituição geológica).
Sobre o ruído, alguém que possa adiantar mais do que a constatação de que alguns valores apresentados pela empresa estão fora dos parâmetros legais – ainda que realizados em condições de excelência, com as máquinas sempre afinadas como à saída da fábrica.
Um jurista com experiência em legislação comunitária permitiria esclarecer o enquadramento deste projecto internacionalmente em Rede Natura 2000.
E, já agora que é só dizer ;-), alguém abalizado para falar dos impactes de uma exploração deste tipo concretamente nas explorações instaladas agro-silvo-pastoris e turísticas.
Alguém disse aqui que já está tudo aprovado, não há nada a fazer. Discordo. Ainda não foram esgotados todos os meios para pôr as pessoas a pensarem no que está a preparar-se aqui, na Boa Fé, e a pressionarem as entidades públicas. Há muitas frentes nesta luta. E ao contrário do que na AM alguns quiseram dar a entender, nem todos têm estado parados, de cabeça enfiada na areia enquanto o tsunami avança para cima do concelho de Évora – e não só.
Ana Cardoso Pires
29 Abril, 2014 20:57Boa Fé