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Manifesto-me

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Cansa-me por vezes ouvir as pessoas a falar, até ingenuamente, do que desconhecem com a profundidade proporcional às críticas que lhe infligem. Até porque isso dá jeito a quem discorde dos assuntos que estão em cima da mesa e faça toda a espécie de contorcionismos para falar do que lhe interessa e não do que lá está.
O caso do Manifesto dos 70 parece-me exemplar, já que aparece como um “ponto de ordem” a ter de ser feito nesta espécie de vertigo em que o governo português nos precipita. A minha crónica de hoje, “cosida” com excertos deste Manifesto é uma tentativa de falar do que ele é e esclarecer os que foram arrastados por alguns que o transformaram naquilo que querem que seja. É que como disse o Sartre, «a desordem é o melhor servidor da ordem estabelecida.»
Apesar de disponível em vários meios, o que ficou e quiseram muitos que ficasse deste Manifesto, que considero histórico, foi o facto de ter sido subscrito por pessoas de quadrantes políticos distintos, com a ausência do PCP-PEV que ficam assim, como o outro, “orgulhosamente só”.
O Manifesto é uma tomada de «posições diversas sobre as estratégias que devem ser seguidas para responder à crise económica e social, mas que partilham a mesma preocupação quanto ao peso da dívida e à gravidade dos constrangimentos impostos à economia portuguesa». É que se à partida, em política, partamos do princípio que o interesse comum é o objetivo e as propostas para lá chegar é que podem variar, damo-nos conta que, demasiadas vezes, quando se tem o poder, mesmo o da oposição, esse objetivo parece perder-se pelo meio de outros interesses.
Os que o assinaram confirmam que foi a, jocosamente tratada por muitos, «crise internacional iniciada em 2008 [que] conduziu, entre outros fatores de desequilíbrio, ao crescimento sem precedentes da dívida pública» e estão conscientes de que esta «tornar-se-á insustentável na ausência de crescimento duradouro significativo».
Com a aproximação das eleições europeias, habitualmente pouco participadas pelos eleitores, é também comum apelar-se à demonização do euro. A moeda única é, de forma simplória, conotada com a desgraça em que caímos mas, como diz ainda o Manifesto, «se o euro, por um lado, cerceia a possibilidade de uma solução no âmbito nacional, por outro, convoca poderosamente a cooperação entre todos os Estados-membros aderentes. A razão é simples e incontornável: o eventual incumprimento por parte de um país do euro acarretaria, em última instância, custos difíceis de calcular, mas provavelmente elevados, incidindo sobre outros países e sobre o próprio euro.» E alerta ainda que quando da «entrada em funções da nova Comissão Europeia [a que sai das próximas e importantes eleições em maio], deverá estar na agenda europeia o início de negociações de um acordo de amortização da dívida pública excessiva, no âmbito do funcionamento das instituições europeias.»
Finalmente, a buzzword que me fica deste Manifesto, que inclui propostas concretas que vos aconselho a ler, poderá resumir-se assim: «No atual contexto, Portugal pode e deve, por interesse próprio, responsabilizar-se pela sua dívida, nos termos propostos, visando sempre assegurar o crescimento económico e a defesa do bem-estar vital da sua população, em condições que são também do interesse comum a todos os membros do euro.»
Termino. O Manifesto dos 70 é uma posição de oposição. Construtiva, responsável e moderada, muito diferente da oposição radical que “rasga vestes”, “arranca cabelos” e promete os “amanhãs que cantam” de que ainda estamos à espera nos sítios em que são poder.
Até para a semana.

Cláudia Sousa Pereira (crónica na rádio diana)

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