O Boeing 777 da Malaysia Airlines, que já se considera o caso mais misterioso deste tipo de ocorrência, levou-me a pensar no quanto ficamos incrédulos quando julgamos que temos tudo devidamente controlado num ou noutro aspeto das nossas vidas e, de repente, algo acontece que nos escapa. Espantamo-nos mesmo sabendo que há imprevistos, mesmo sabendo que nunca pessoas poderão controlar totalmente situações ou outras pessoas.
No limite, denúncias, aplicação de leis, revoltas, fugas, revoluções, intervenções diplomáticas ou bélicas, e até simplesmente eleições têm tratado de resolver esse tipo de situações em que pessoas tentam controlar outras pessoas. Já com as falhas em matérias como as tecnológicas, como esta história dos radares que não encontram o avião ou partes dele, ficamos tão desasados que, perante a assunção de um erro para o qual não temos justificação, empurramos a falha para o domínio do misterioso. E fazê-lo é, de facto, assumir a nossa falta de controlo, às vezes óbvia e sem que se tenha de justificar. Tentar corrigir o desconcerto perante a falha é algo que algumas vezes, esfarrapadamente, se faz à custa de coisas que também só no universo do mistério ganham existência. Isto acontece muitas vezes em domínios não tão tecnológicos assim, como o das relações de poder em diferentes níveis, por exemplo.
Ao multifacetado artista e poeta francês Jean Cocteau atribui-se uma frase, que não consegui contextualizar mas que me pareceu oportuna, e que diz o seguinte: «Uma vez que estes mistérios nos ultrapassam, finjamos ser os seus organizadores.» E é assim que muitas falhas são aproveitadas, quer por quem falha para as remeter abusivamente para a zona do mistério, quer por quem esteja mortinho por que alguma coisa falhe e venha recriar maldições póstumas, daquelas em que já não é preciso ser-se bruxo para as fazer.
Parece-me que há quem muitas vezes se aproveite para transformar uma falha, que porque é falha não devia ter acontecido ou estar a acontecer, no tornar-se realidade ou do seu ceticismo sem fundamento ou da sua discordância por uma razão que não aquela por que se dá a falha, mas fingindo que é. Normalmente fala assim quem não age, ou não tem oportunidade de agir, e se coloca na confortável posição de espetador, pois como é sabido “só não erra quem não faz”. Fala assim quem tem dificuldade em colocar-se, benevolamente “fingindo-se” (que é o mesmo que imaginar-se) na posição e nas circunstâncias do outro.
Mas regressemos ao voo 370 da Malásia. Quando eram uma pálida amostra do que são hoje os instrumentos que permitem a busca de um avião desaparecido, não era tanta a frustração perante a incapacidade de agora (não sei como será à hora de ouvirem ou lerem esta crónica) ainda nada se saber. E é nestas situações de falha que há alguns que se tornam precisamente mais injustos com os avanços que a humanidade fez e parecem esquecer o que de pior ficou para trás.
É uma injustiça semelhante que sinto quando oiço aquelas vozes que desancam nos últimos 40 anos da vida em Portugal e sonham com o antes. Mas isso é assunto para outra crónica.
Até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira (crónica na rádio diana)