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Hoje estou em Kiev

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Hoje a minha crónica leva-me à Ucrânia. A crise política começou a ganhar rosto ali em finais de Novembro. Milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra a decisão do presidente em suspender a assinatura de um acordo económico com a União Europeia, com a intenção de reforçar as relações com a Rússia que prometia mais e melhor.
O que começou por ser um protesto a favor da aproximação à UE tornou-se rapidamente numa luta por uma mudança global no governo, e na Constituição, que desse mais poderes ao parlamento e menos ao presidente. A situação agravou-se na passada terça-feira à noite com violentos confrontos entre a polícia e os manifestantes na praça Maidan, junto ao parlamento de Kiev, e o número de gente morta aumentou todos os dias. Até que sob pressões, quer internacionais quer internas, se têm vindo a anunciar todos os dias diligências mais consonantes com as razões dos manifestantes, como a convocação de eleições e a libertação da ex-governante, presa política, e mandato de captura do presidente deposto, última notícia à data da gravação desta crónica. Vão-se acalmando, até ver, os ânimos. Diz-se também que entre estes a extrema-direita-ultra-nacionalista estará presente, do lado dos europeístas. Parece-me é que, para além das questões internas, haverá seguramente razões geo-político-estratégicas que não ficarão resolvidas e aquele país viverá sempre sobre uma espécie de falha geológica que provocará abalos. É tudo menos simples de entender.
Diz-se também que os protestos revelam outras clivagens no país. São clivagens sociais, linguísticas e religiosas. A maioria dos pró-europeus são do ocidente, falam ucraniano como primeira língua e tendem a pertencer à Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Kiev ou à Igreja Greco-Católica da Ucrânia. Já o lado oriental é sobretudo povoado por pessoas que têm o russo como língua mãe e são fiéis da Igreja Ortodoxa do Patriarcado de Moscovo. Parece haver sempre uma desculpa cultural que legitima ações de retrocesso civilizacional como são estas guerrilhas mortíferas… Apre!
Kiev e a Ucrânia são lá longe, mas muitos são os portugueses que convivem hoje em dia com esta gente de longe que há 15 anos imigrou em força para o nosso país. E muito próxima, porque recente, é ainda a imagem das guerras em prol da auto-determinação, algumas até já retratadas no cinema, e que re-arrumaram o mapa da Europa após a queda do muro de Berlim e do regime comunista da URSS. Tudo guerras em nome da paz, do progresso, da prosperidade. Sempre assim foi.
Estou convicta de que a guerra, a violenta das armas e não a de palavras e negociações, é sempre o sinónimo de um falhanço político e não deve haver maior vitória para um governante do que a conseguida pela via diplomática. Porque, afinal, associados às guerras estão sempre rostos de governantes que ou não as conseguiram evitar ou as desejaram mesmo. Por vezes seguindo uma popular via mais fácil, onde os esforços se “reduzem” (ironia amarga) ao contar de perdas de vidas humanas e ao medir da resistência à destruição. Outras vezes, as guerras parecem ser o último recurso para tentar resolver situações ingovernáveis e em escalada contra os direitos humanos.
O poeta francês Paul Valéry definiu assim a guerra, e eu concordo e partilho convosco: "A guerra é um massacre entre pessoas que não se conhecem para proveito de pessoas que se conhecem mas não se massacram."
Até para a semana.

Cláudia Sousa Pereira (crónica na Rádio Diana)

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