Por dever de ofício, como compreendem, quase todo os dias sou obrigado a ler as caixas de comentários aqui no acincotons. E diariamente sou surpreendido com o que leio. O nível de escrita, o teor dos comentários, a violência do que se diz, a crítica constante a tudo e todos deixa-me, quase sempre, boquiaberto. Nada tem o minímo consenso, não há ninguém isento de culpa, seja ela qual for, - a não ser os próprios - e nunca (melhor: quase nunca) se lê um elogio ou um contributo sério para um qualquer debate.
Pelos números que temos, as visitas ao blogue, por dia, são na ordem das 1.200/1.500. Também, diariamente, embora aqui seja mais variável, há largas dezenas de comentários. Embora haja acessos de muitas parte do mundo, a maioria dos acessos são feitos a partir de Évora.
Daí que, estes comentários, representem, de alguma forma, aquilo que é, em termos gerais, o ambiente que se vive em Évora: um ambiente crispado, de grupos que se odeiam e ofendem, de grupos que, dentro deles própios se detestam, compostos por indíviduos sem frontalidade, que apenas a coberto do anonimato são capazes de expressar o que sentem ou o que os motiva. A agressividade, o bota-abaixo, a falta de respeito pelo semelhante são uma constante - não apenas no acincotons, como noutros blogues da cidade como o maisévora.
Há uns meses era o "Zé do Cano", a "loura que ia ao cabeleireiro", os secretários que só estavam nos blogues "a defenderem o dinheiro que recebiam". Hoje é o ataque desenfreado aos "porcos dos comunistas", reponsáveis por tudo o que "aconteceu de mal e de mal há-de acontecer" a esta cidade e a este país.
Não sendo profissional da área é-me dificil pronunciar, mas parece-me que está aqui, nestas caixas de comentários, um retrato psicológico aproximado daquilo que são alguns sectores da população eborense. Habituados a gritar as suas frustrações, os seus medos, as suas angústias, os seus desasjustamentos no futebol domingueiro, tendo quase sempre o árbitro, o treinador ou a equipa adversária como alvos semanais da sua bílis, encontraram agora nas caixas de comentários dos blogues - ainda por cima garantindo um anonimato total - o espaço imediato e diário para as suas incontinências verbais.
Este é também um dos retratos de Évora, a juntar ao templo romano, ao aqueduto ou à Praça do Giraldo. É também destas pessoas e destes comentários - muitos deles a mostrarem apenas a frustração e a falta de dimensão quer humana quer política (relacional) de quem os escreve - que se faz a cidade.
O lamaçal em que estes "comentadores" transformam os blogues locais é também, ele próprio, uma fotografia a corpo inteiro de Évora e de quem a habita. É isto que urge transformar. Conquistar a Câmara, ganhar o poder, ser eleito para a confraria do bairro são pequenos epifenómenos importantes para os poucos que participam nesses acontecimentos. Mas a transformação da cidade não passa apenas por aí. O que a cidade é, de facto, está nestes gestos semi-ocultos, nestes medos e frustrações, nesta incapacidade de "dar-a-cara", na opacidade dos poderes e dos seus protagonistas. Modificar este estado de coisas passa por outra forma de agir, outra forma de transparência, de capacidade de debate e de frontalidade de opiniões e também de criação de espaços que permitam uma maior partilha e aproximação de experiências. Uma mudança radical na forma como os seus habitantes se relacionam com a cidade e entre si, esse é que deve ser um dos grandes objectivos de quem se acha politicamente interveniente. E aqui não há "santos nem pecadores". Todos temos uma parte de responsabilidade em cada comentário (mesmo que não o tenhamos escrito) que não respeita o outro e que "achincalha" em vez de debater.
Todos nós somos um pouco destes comentaristas anónimos. E em cada comentário deste género é Évora e nós próprios, enquanto indíviduos e sociedade, que perdemos. E nos perdemos.