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Discutir a espuma, esquecer a onda e ignorar o mar

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A comunicação social dominante colocou na ordem do dia a discussão sobre o conjunto de actividades que se passam na maioria das universidades portuguesas e que são designadas por praxes.
Discute-se se são violentas ou não, qual o grau de humilhação que é perpetrado aos alunos designados por caloiros, se devem ser proibidas ou regulamentadas.
As reportagens televisivas mostram jovens adultos em práticas sem sentido, acompanhadas de comentários que pretendem separar a brincadeira, supostamente inócua, de práticas violentas, supostamente mais humilhantes.
Há opiniões para todos os gostos e feitios, das mais veementes em defesa ou contra as práticas, àquelas que pretendem agradar a gregos e troianos com a justificação de que as praxes não são boas nem más, as pessoas que as concretizam é que são boas ou más.
Tenta-se justificar esta posição com depoimentos de gente que se diz muito feliz por ter sido praxada e de gente que acha que foi brutalmente humilhada para, obviamente, concluir que o conceito de praxe é aquilo que os que a praticam quiserem.
Na minha modesta opinião o que é preciso discutir é que sociedade é esta que produz jovens adultos que aceitam ser sujeitos a práticas humilhantes assente na obediência cega a uma hierarquia informal, como forma de reconhecimento de pertença a um grupo.
Onde falhámos todos os que temos um papel interventivo nos processos educativos, formais e informais, para que jovens inteligentes se envolvam sazonalmente em actividades onde impera a irracionalidade e o profundo desrespeito pela natureza humana dos seus semelhantes?
Deste nível de discussão que sai da espuma dos acontecimentos diários e entra pelas raízes ideológicas da questão, fogem os que beneficiam desta espécie de treino para a aceitação do mundo tal como ele se apresenta, com exploradores e explorados.
Também é porque a violência da praxe é entendida como uma normalidade, que é entendida da mesma forma a desigualdade social, a exploração e as pequenas e grandes iniquidades do dia-a-dia.
Os cidadãos que aceitam passivamente que lhes roubem os rendimentos do trabalho, que lhes retirem direitos conquistados ao longo de gerações e que encolhem os ombros perante situações inqualificáveis praticadas por quem exerce o poder, são fruto da mesma construção ideológica que admite a praxe académica como uma normalidade.
Questionamo-nos muitas vezes sobre as razões da alternância do poder, sem que isso signifique uma verdadeira alternativa, e queixamo-nos de que a maioria não aprende com as opções de voto tomadas.
As razões estão nas mesmas condicionantes que levam a práticas como as praxes, que mais não são do que um treino para a aceitação passiva de um poder despótico, sob a capa do alegre consentimento das vítimas.
Também é por isso que é mais fácil juntar mil estudantes em actividades relacionadas com as praxes, do que juntar dez numa manifestação contra o aumento das propinas.
Levam-nos a discutir a espuma, evitando que discutamos a onda enquanto nos tentam afogar num mar de passividade.
Até para a semana

Eduardo Luciano (crónica na rádio diana)

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