A gravidade do triste acontecimento decorrido na praia do Meco trouxe para a ordem do dia o tema das praxes. É pena que seja necessário acontecer uma fatalidade destas dimensões para que este tema seja debatido. Muitos cidadãos deste país têm alertado para a gravidade de algumas práticas levadas a cabo em nome da praxe, mas o assunto nunca foi debatido de forma séria.
Não pretendo cair no extremo simplificado de dizer que sou contra a praxe académica. Aliás, praxe enquanto costume e/ou rotina pode ser uma coisa positiva. Basta, para tal, que consigamos que os jovens estudantes universitários desenvolvam uma rotina de recepção saudável dos novos alunos e que a tradição académica passe a ser repleta de solidariedade e de camaradagem.
O que vemos nas nossas Instituições do Ensino Superior, ano após ano não se pode denominar de praxe, mas de bullying, e do mais puro. Práticas mais ou menos violentas, que causam maior ou menor impacto nos caloiros, mas sempre práticas caracterizadas pela humilhação, por uma relação clara entre opressor e oprimido, entre alguém que se coloca hierarquicamente superior a outro e que por isso se vê legitimado a mandar fazer tudo aquilo que lhe vem à cabeça.
Dizem que existem vários tipos de praxes. Dizem que muitos dos que são praxados gostam. Talvez seja verdade. Mas se perguntarmos aos praxados e também àqueles que praxam, se seria viável substituir as hierarquias e as praxes como elas são implementadas, por um conjunto de práticas saudáveis de integração, que envolvessem jogos, dinâmicas de grupo, passagem de conhecimentos, tudo isto sem a necessidade de hierarquias ou opressões. Se calhar, teríamos a agradável surpresa de ver que a maioria dos alunos assim preferiria.
Neste momento, todos sentem que não existe alternativa. É-lhes dito por aqueles que se denominam donos da tradição, que a coisa tem de ser assim, Curioso, como os que se apoderam da tradição, são, normalmente, aqueles que não conseguem tirar da universidade qualquer outro proveito que não a satisfação patológica de mandar nos outros, de se sentir doutor, de se sentir superior. Talvez por pensarem que não poderão sentir-se bem consigo mesmo de outras formas. Talvez…
É bom que de uma vez por todas nos juntemos e reflitamos sobre o porquê da perpetuação destas práticas. Porque é que os nossos jovens necessitam desesperadamente de ser tratados por doutores? Porque é que necessitam desesperadamente de assumir o controlo sobre os outros? Porque é que lutam para se sentirem superiores a qualquer custo? Será que a nossa sociedade e o seu modelo de valorização egoísta, desumanizado e agressivo não terá nada a ver com a necessidade de praxar desta forma? Não seremos todos nós praxados todos os dias? Não somos submissos, e à primeira oportunidade ditadores? Não sofreremos nós todos os dias, e à primeira oportunidade inflijamos dor nos outros? Quais os nossos modelos saudáveis de relação com os outros? Onde está a solidariedade? Onde está a camaradagem? Onde está o pensamento sobre o bem comum?
E as Instituições do Ensino Superior? Que responsabilidade têm? Que têm a ganhar com a continuação da praxe académica? Que ganham com uma acefalia generalizada? Que ganham com estudantes entretidos com praxes e pouco preocupados com a gestão da sua própria instituição e com a política educativa do país?
Praxe é sinónimo de costume, de rotina. E você, a que é que está acostumado?
Até para a semana!
Bruno Martins (crónica na Rádio Diana)