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O EXAME DOS PROFESSORES E DOS POLÍTICOS

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Neste país surrealista em que vivemos, assistimos agora à negação pelo próprio Ministro da Educação, ao criar uma prova extra, de todas as formações e qualificações que o Ministério que dirige concedeu, ao longo de anos e anos, quer através de instituições de ensino superior, quer através dos institutos politécnicos. Isto sem sequer suscitar qualquer hipótese, ainda que vaga, de reestruturar, alterar ou até fechar alguns dos cursos e das instituições de que parece agora duvidar. 
Sem coragem para atacar os interesses instalados em muitas universidades privadas, em variados institutos politécnicos e outros ainda piores, onde muitos políticos do PSD têm o seu tachinho, prefere atacar os fracos, simulando assim uma atitude de rigor e exigência. 
Rigor e exigência seria ter a coragem de encerrar muitas dessas universidades privadas e intitutos politécnicos, verdadeiras fábricas de desempregados, onde durante anos e anos se vendeu gato por lebre, onde os governantes desempregados, quando “caem” na oposição, vão fazer um bico enquanto não chega a hora de “ir novamente ao pote”, muitas delas ligadas a escândalos de que todos nos lembramos bem, como é o caso da Moderna, da celebérrima Independente e, mais recentemente da Lusófona com o estranho caso Relvas e não só. Isso sim, é que seria rigor e exigência, coragem e discernimento.
Em vez disso, assistimos à criação de um exame absurdo e completamente destituído de sentido que não resolve nada a não ser a necessidade do Ministério reduzir o seu orçamento, despedindo pessoal. Mas isso poderia ser feito com alguma dignidade quer para o Ministério, quer para os professores, o que não é o caso.
Temos assim um Ministro que tem a mania dos exames para resolver tudo. Penso que o que ele deveria fazer era aplicar esta solução aos seus colegas de governo. Esses sim, é que precisavam de fazer exame, a começar pelo Primeiro que, embora tenha entrado na Universidade Pública, que abandonou certamente por as coisas aí não lhe correrem bem, acabou por optar pela facilidade das privadas para concluir o curso em 2001, aos 37 anos de idade, na Lusíada. Isto é que são bons alunos! Deve ser este percurso académico de sucesso ( a fazer vagamente lembrar o do “outro”) que lhe dá autoridade moral para que o Ministro da Educação do seu governo venha agora impor aos professores, alguns formados em universidades muito mais sérias e exigentes, mais um exame extra. Acho que o ministro Crato deveria começar por lhe apresentar um exame de Direito Constitucional, cadeira que, por razões óbvias, ele nunca fez. 
Em seguida, podia continuar a aplicar a medida à sua própria equipa, já que o Secretário de Estado do Ensino e Administração Escolar, João Casanova de Almeida, licenciado também numa privada, a Lusófona, já nossa conhecida do caso Relvas, e uma das piores do país, foi ele próprio orientador de estágio e professor nos cursos de pós-graduação na área da educação na Universidade Fernando Pessoa, outra privada. Este senhor omite sistematicamente nos seus elementos biográficos o ano da conclusão da sua licenciatura e a média final. Mas podemos fazer contas: se nasceu em 1957 e a Lusófona só foi fundada em 1986, mesmo que seja da primeira fornada, terá concluído o curso em 1990, isto é, com 33 aninhos de idade. Deve ser isso que fez dele um génio talhado para funções dirigentes no Ministério da Educação. E é entre gente desta que o Ministro Crato, cujo lema é rigor e exigência, recruta o seu staff. Se Crato se reserva o direito de duvidar das habilitações dos professores, não deveria então duvidar também da formação destes senhores, formados nos mesmos sítios e eles próprios formadores dos professores agora sob suspeição? 
Também o Secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário, João Grancho, conforme consta do seu currículo, publicado em Diário da República de 22-11-2013, foi formador de professores desde 2001 e Director do Centro de Formação de Professores Leonardo Coimbra entre 2002 e 2011, tendo como formação superior um Curso de Estudos Superiores especializados em Administração Escolar, tirado no Instituto Superior de Ciências Educativas, concluído em 1993, aos 35 anos, depois de ter tirado o Magistério Primário em 1980. Intrigada com esta misteriosa formação do Secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário, fui investigar na Net o que era o Instituto Superior de Ciências Educativas e descobri que se trata de um Instituto Politécnico, em Ramada-Odivelas, fundado em 1984( dos tais que floresceram sob o cavaquismo) e, ao que parece, já extinto, que fazia formação na área da Educação, Desporto e Turismo basicamente, oferecendo um curso de Formação de Formadores ao lado de uma especialização em Gerontologia. Afinal o Secretário de Estado que, numa atitude de rigor e exigência, exige aos professores um exame adicional, tirou o seu curso superior aos 35 anos, num politécnico em Odivelas. Depois, fez um mestrado na Universidade Portucalense, outra privada, em 2007, e na mesma Universidade fez a parte curricular de um doutouramento em Educação em 2008. Esta gente gosta de estudar é nas privadas e nos politécnicos. Fazem licenciaturas relâmpago, mestrados e doutoramentos em três tempos, ora são formadores, ora são formandos, no intervalo vão fazer uma perninha numa Direcção Regional ou num gabinete de estudos, tudo muito bem pago, é claro, que esta gente gosta tanto de canudos como de dinheiro ( de saber é que nem por isso) e agora, ao fim de dez anos ou mais a viver no sistema, no qual se formaram e foram formadores, vêm pô-lo em questão, arruinando a vida dos outros, nunca a deles, é claro. Afinal o staff que o Ministro Crato elegeu para o seu gabinete, tem todo o seu passado ou nas privadas ou em institutos politécnicos. Podemos então concluir que o Ministro Crato desconfia desta gente para ensinar no Ensino Básico mas vê nela capacidades para dirigentes ministeriais e é aí que vai afinal recrutar o pessoal do seu gabinete ministerial. Não dá para perceber. Era com isto que Crato devia acabar mas afinal é isto que promove no seu gabinete. O caso do ministro Crato, à volta do qual se haviam gerado tantas expectativas, confirma cabalmente a máxima, tanta vezes citada, de que o poder corrompe. 
Ficamos nós a saber que é esta gente que nunca fez uma licenciatura a sério, que nunca passou por um estágio, que se limitou a fazer cursos manhosos e tardios em instituições obscuras e sem prestígio, com médias que eles próprios se envergonham de confessar, a mesma que vem agora despudoradamente exigir aos professores que façam mais um exame adicional . Ficamos também a saber que é este tipo de gente que pulula nos gabinetes ministeriais, vivendo luxuosamente e com toda a pompa à custa do contribuinte pagante, cuja vida destroem a cada dia que passa.
Alíás mais de metade do governo vem das universidades privadas, como é o caso do Primeiro Ministro, da Ministra das Finanças ou da Ministra da Justiça, o que pode explicar o fraco desempenho governativo, o vazio de ideias, a ausência de um verdadeiro debate de ideias, a falta de visão estratégica para o país ou a falta de uma cultura humanista, centrada na pessoa humana. E sejamos claros e digamos as coisas sem rodeios: eu, que nasci em 58, sou da geração que teve de lutar contra o “numerus clausus”. Quando me candidatei ao Ensino Superior, pelo fim dos anos 70, não havia privadas. Foi por essa altura aliás que surgiu a Universidade Livre, da qual nasceu mais tarde a Lusíada. Eu própria, receando o numerus clausus, procurei essa universidade mas, percebendo, apesar de ser muito jovem, que aquilo não passava de uma banca de negócios, saí daquele edifício, situado então nas Picoas, com a firme decisão de ir para casa estudar afincadamente a fim de passar o então Exame de admissão ao Ensino Superior, entrar na Pública e fazer um curso com seriedade porque comprar um diploma à custa do dinheiro dos meus pais não era coisa que me interessasse. Cedo aprendi que não devemos escolher o caminho mais fácil. Assim, depois de meses de estudo, passei o exame de admissão, entrei na Faculdade de Letras e aí fiz a minha licenciatura tendo como docentes os grandes nomes da literatura em Portugal. Achava eu na altura que os mediocres não iriam longe na vida mas agora, que já não há Soares nem Cunhal, eles apanharam a cadeira do poder vazia e, descaradamente, sentaram-se nela, ainda que não tenham estatura para ela. Portanto, quer enquanto estudante, quer mais tarde como professora, sei bem que quem procurava ou procura este tipo de escolas são os alunos fracos que não conseguem entrar na Pública ou, quando o conseguem, não se conseguem depois aguentar, como é o caso de Passos Coelho que, embora tenha entrado na Pública, não se aguentou e foi acabar o curso, anos mais tarde, na privada, já perto dos 40 anos. Percurso típico do aluno fraquinho, que só vai acabar o curso porque precisa de se afirmar lá na empresa e um canudo dá sempre jeito. O título é o que os move, não o conhecimento. Fazem tudo por um canudo, menos queimar as pestanas. 
Contudo, e apesar de tudo isto ser muito triste e mesmo deprimente, o caso mais aterrador parece-me ser o do Ministro Mota Soares, que se formou na Universidade Internacional, considerada, a par da famosa Independente, a pior do país e fechada compulsivamente pelo Governo em 2009. Pois foi aí, na pior Universidade do país, que o Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social fez a sua licenciatura com uma mediazinha de 11(onze!!!) valores. Não há dúvida que tem perfil ministerial !! E é este génio, sem qualquer preparação técnica, com meia duzia de cadeiras feitas a trouxe-mouxe, quem comanda os destinos dos desempregados e dos reformados deste país. Isto é absolutamente assustador, ainda por cima com os graves problemas que ameaçam a Segurança Social.. 
São personagens perfeitamente queirosianas a mostrar que Portugal continua um país, inculto, falhado, iludido e desacreditado, incapaz de se regenerar, a soçobrar, exangue, sob as sanguessugas que o asfixiam. É afinal esta gente sem background, sem cultura, sem competência, sem estrutura intelectual (ou outra) que está a destruir segura e paulatinamente, perante a nossa passividade, aquilo que a geração anterior, a que passou pela guerra colonial, a que lutou contra a ditadura, a que sofreu o exílio lá fora, construiu muitas vezes com prejuízo das suas carreiras e vidas pessoais. É esta geração, que cresceu placidamente à sombra da democracia, que acalentámos indulgentemente durante anos nas escolas portuguesas, formada nas universidades privadas do cavaquismo, sem competência técnica nem cultura humanista, que hoje destrói aquilo que a sociedade europeia do pós-guerra e a geração que lutou contra o nazismo construiu a pulso, provocando um retrocesso social que nos atira de novo para a pobreza do séc.XIX, com a precaridade no trabalho, a exploração laboral, o desemprego, a emigração, a falta de assistência na saúde e na velhice. 
E pensar que foi o povo que lhes entregou a cadeira do poder, depois de a ter entregue a Sócrates e depois de eleger Cavaco, para dizer de cada uma das vezes que afinal foi enganado. Apetece-me citar aqui alguém que disse: “ Se há um idiota no poder, os que o elegeram, estão bem representados.” 

Maria do Rosário Capoulas Santos
Professora aposentada (texto enviado por email)

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