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SOB A AMEAÇA DA EXTINÇÃO CAMPO ESTRELA FAZ 100 ANOS

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Desafio no Campo Estrela, tendo sido o resultado final o seguinte: Lusitano -2; Sporting - 2. O desafio trouxe a Évora milhares de pessoas: "O jogo da bola, com toda a sua magia de espectáculo das multidões, deu no domingo cabal prova da sua força. A nossa cidade viu-se envolvida nesse poder, que representa como centro de gravidade um invólucro de couro e onze de cada lado, lançados em luta encarniçada numa brincadeira de rapazes[…]." In Democracia do Sul, Ano 59.º, n.º 12827, 22/3/1960 Autor Mário Gama Freixo Data Fotografia 20-03-1960 - Legenda Jogo Lusitano/ Sporting Cota GMF 283 Propriedade Arquivo Fotográfico CME (aqui)



Cerimónia de condecoração do Lusitano na Praça do Giraldo. Autor Mário Gama Freixo Data Fotografia 1933 - Legenda Cerimónia de condecoração do Lusitano Cota GMF668 - Propriedade Arquivo Fotográfico CME (aqui)

1.Durante este ano de 2014 o Campo Estrela vai entrar no seu centenário de existência. É o quarto campo de futebol mais antigo do país, só ultrapassado pelo Campo (Estádio) do Bessa criado em 1911, pelo Campo da Constituição, no Porto, inaugurado em Julho de 1912, e pelo Campo (Estádio) da Tapadinha, aberto no mesmo ano. Situados os três em áreas cobiçadas pelos especuladores imobiliárias, apoiados em diversas tentativas de negociação pelas respectivas autarquias, nenhum dos clubes a que pertencem aceitou porém trocá-los, fraccioná-los, aliená-los ou transaccioná-los por entenderem que eles faziam e fazem parte da sua história e da própria cidade.
E se o Boavista e o Atlético (a partir de 1942 por fusão do Carcavelinhos F.C., proprietário do recinto, e o União Futebol de Lisboa) ali continuam mantendo os seus parques desportivos depois de diversas operações de recuperação e modernização de que foram objecto ao longo dos tempos, singular é o caso do F.C.Porto, que teve entretanto outros Estádios (Antas e agora Dragão) e nunca abdicou do seu primeiro campo, situado em plena cidade, na Rua da Constituição, remodelado e modernizado há cinco anos e ocupado pelos mais jovens atletas dos seus escalões de formação.
Por cá- e por maioria de razão como adiante se verá- o Campo Estrela também deveria ter merecido o mesmo estatuto e tratamento mas ao contrário é tido como um território desprezado que hoje ninguém sabe exactamente a quem pertence, envolvido que foi num negócio imobiliário de contornos mal paridos, efectuado nas vésperas da participação de Portugal no Campeonato do Mundo de 2006 na Alemanha para permitir que a selecção estagiasse na cidade.
Creio bem ser chegada a altura de a actual Direcção do Lusitano que, saliente-se, nada teve a ver com o assunto dessa alienação patrimonial, venha definitivamente esclarecer a quem pertence o campo: se à Eborimo, se à Evourbe, ou se ainda ao clube? Se ainda pesa sobre ele a ameaça do seu desmantelamento, ou em que ponto está o negócio, ao que parece longe de estar concluído, e aparentemente bloqueado. E como é possível a um clube estrangulado financeiramente, manter dois campos de futebol em simultâneo?
Certo é, que para lá de outros factores de grande nebulosidade ocorridos no caso da Herdade da Silveirinha e na respectiva permuta ou transacção de terrenos, o que importa à cidade é saber qual o futuro do Campo Estrela que, foi e bem incluído na Zona Desportiva e num passe de mágica (?) o executivo municipal então em exercício (PS) resolveu aceitar a sua conversão numa zona de urbanização quando a essa operação se deveria ter oposto intransigentemente (recusa de alteração ao Plano Director Municipal) não a consentindo pois tinha instrumentos jurídicos para a fazer abortar. Ao não o fazer. o município abriu a porta à extinção do Campo Estrela.
2.O Campo Estrela, pelo seu histórico, era, e é ainda, um património da cidade e da memória colectiva pois ao contrário do que a esmagadora maioria das pessoas crê, não está apenas associado ao Lusitano. A génese da sua construção está umbilicalmente ligada ao início do desporto em Évora tendo sido o primeiro recinto de carácter permanente existente na cidade, dedicado à prática dos “Sports Atléticos”., como então se dizia. A iniciativa da sua construção deveu-se ao Ateneu Desportivo Eborense que fundado a 15 de Junho de 1913 por um grupo de atletas saídos do Sport Vitória Académico onde pontificavam Mário da Gama Freixo, Emídio Crujeira de Carvalho (que mais tarde viria a ser secretário e ajudante de campo do general ÓscarCarmona), Napoleão Vieira Palma, Celestino Pais dos Ramos, Joaquim Monte e Augusto Cabeça Ramos, todos filhos de gente com posses e influência, conseguiram convencer  as ricas proprietárias e irmãs Maria Inácia Fernandes Homem e Maria Luísa Mattos Fernandes a alugar-lhes o ferragial da Estrela (daí o nome do campo) por quinze anos para nele instalarem um recinto destinado à prática do futebol e do atletismo e em menor escala ao tiro e ao hipismo.
O Campo Estrela veio a ser inaugurado no dia 15 de Junho de 1914, data festiva do 1º. Aniversário do Ateneu. Naquele campo se passaram a realizar doravante diversos festivais desportivos de atletismo, modalidade de eleição nesses primeiros tempos, e onde treinavam os grandes atletas eborenses de projecção nacional, saídos das fileiras do Sport Vitória Académico e já referenciados: Augusto Cabeça Ramos (Campeão de Portugal de salto à vara durante dois anos consecutivos, recordista nacional da especialidade em 1912 com 3,05 m e de novo em 2013 com 3,27 m, marca que se revelou inultrapassável até 1927), Celestino Pais dos Ramos ( Campeão de Portugal  do salto em altura ,do lançamento de peso e do salto à vara) em  1914), Joaquim Monte ( recordista nacional do salto em comprimento sem balanço em 1912 com 2,95 m e 3,10 metros no ano seguinte) além de António Cândido, José Braz  e Manuel Vicente da Ressurreição. Registe-se que Cabeça Ramos e Celestino Ramos foram campeões nacionais ao serviço do Benfica e do Sporting, respectivamente, pois as provas eram disputadas por equipas e quer o Sport Vitória Académico, quer posteriormente o Ateneu Desportivo Eborense, não conseguiam arranjar equipas que se pudessem apresentar a todas as disciplinas.
Com o decorrer dos anos o futebol foi impondo claramente a todas outras modalidades, pelo que em 1922 o Ateneu decidiu-se pela extinção tendo o seu presidente, Emídio Crujeira de Carvalho, feito entrega de todo o seu património e material desportivo ao Lusitano e rescindido o aluguer do Campo Estrela que passou a ser cedido por algumas horas a quem estivesse interessado na sua utilização mediante pagamento.
Em 1926 o campo novamente a ser alvo de aluguer fixo por parte do Ginásio Clube Eborense, nesse ano fundado. Mas o seu estado encontrava-se um tanto degradado. O Ateneu não o vedara , como prometido no contrato de arrendamento, e depois de quatro anos ao abandono, por não ter quem velasse por ele assiduamente, o recinto mais se assemelhava a um campo de batatas. Assim se lhe referiam depreciativa e constantemente os comentadores desportivos da “Democracia do Sul” e do “Notícias d´Évora “que ali se deslocavam.
Em 17 de Janeiro de 1927 o segundo destes repórteres, a propósito de um jogo de um entre o Lusitano e o Juventude, escrevia assim: «O pseudo campo do Ginásio teve enorme assistência, os grupos já estão em campo, e o árbitro marca a área dos “backs”. O público começa protestando, marcação “à la diable”, meia dúzia de cadeiras quando se venderam três ou quatro vezes mais para essa posição, balizas desmanteladas, enfim uma amorzinho de “stadium”(---) Ao Ginásio propõe-se organizal-o (sic) como deve ».
Mas o Ginásio Clube Eborense teve vida efémera e desapareceu nesse final de 1928 e o recinto conheceu ainda piores dias. Ainda assim foi neste estado, melhorado com alguma terraplanagem e um conserto manhoso das balizas que o Lusitano inaugurou a sua participação nos primeiros Campeonatos de Portugal (desse tempo só restam o Bessa, a Constituição, a Tapadinha e o Campo Estrela) e por facto incrível que pareça foi para este terreno que a Federação Portuguesa marcou o encontro de desempate das meias-finais daquela competição entre o União de Lisboa e o Vitória de Setúbal , jogado a 14/5/ 1930 e que os primeiros ganharam por 2-1.
3.Mas a partir de 1931 a sorte do Campo Estrela iria mudar por completo. A 28 de 1928 o Juventude havia inaugurado o seu próprio campo. O Lusitano mais votado aos desportos gímnicos preocupava-se mais em apetrechar a sua sede e continuava a alugar o Campo Estrela  para a realização dos seus jogos de futebol desagrava porém aos seus sócios mais antigos que exigiam dos seus dirigentes a resolução do problema. Foi neste contexto que o advogado e rico proprietário, Mário Ribeiro de Lemos, homem de direita, anterior presidente do Clube e presidente do Conselho Fiscal, decidiu entrar entabular conversa com as poderosas terratenentes para que estas vendessem o dito ferragial por 30 contos, quantia considerada muito inferior à sua verdadeira.
A verba saiu integralmente do bolso de Mário Ribeiro de Lemos e logo que a escritura foi celebrada a 3 de Fevereiro de 1931, foram as suas obras de recuperação, alargamento e melhoria que se processando ao longo de 4 anos. Em 1935 estava completamente irreconhecível. O piso era excelente, e tinham sido construídos dois vestiários, com 4 duches cada havendo ainda um terceiro para os árbitros ficarem isolados dos jogadores, uma novidade a nível nacional. Havia uma arrecadação para guardar material diverso. Seis filas de bancadas de madeira com capacidade para mais de 300 pessoas numa extensão de mais de 60 metros, que eram completadas por mais de sessenta pessoas, constituíam as acomodações para o público, sendo ainda que no topo superior havia estruturas para a abertura de 18 camarotes. Era de longe o melhor campo do Alentejo e um dos melhores da chamada província e a sua reconstrução havia sido financiada a 20 % pelo Fundo de Desemprego.
4. O Campo Estrela veio a conhecer o seu período áureo durante os 14 anos em que o Lusitano permaneceu na I Divisão (1952-1966). Logo no final do primeiro ano foram destruídas as bancadas de madeira e substituídas por bancadas de pedra estendidas ao comprimento do campo, instalados cómodos camarotes, e foram empedrados igualmente o superior e o pião para espectadores de pé, para lá das melhorias introduzidas pela incorporação de um completo posto médico e excelentes instalações sanitárias para nomes e senhores.
A 25 de Maio de 1955 inaugurava-se o arrelvamento do Campo Estrela num jogo com o Sporting para o Campeonato Nacional e que terminou empatado a um golo. Évora passava a ser a 5ª. Cidade do país a ter um campo relvado depois de Lisboa (Estádio Nacional, Sporting, Benfica, Belenenses e), Porto (F.C.do Porto e Estádio do Lima), Coimbra e Braga e o Lusitano também o quinto clube a ter o seu estádio em idênticas condições dado que o primeiro e os dois últimos pertenciam ao Estado.
No dia 4 de Abril de 1956 o Campo Estrela conheceu a sua internacionalização ao acolher a 2ª. jornada do Torneio Internacional da NATO recebendo os jogos entre a Itália e a Turquia e entre Portugal e o Egipto. As outras duas jornadas disputaram-se em Lisboa e no Porto. E no ano seguinte abriu as portas para nele actuarem duas equipas femininas ingleses que vieram a Portugal fazer a apresentação da prática do futebol entre senhoras que no estrangeiro começava a dar os primeiros passos. Novamente Lisboa, Porto e Évora a serem escolhidas.
Pelo tempo fora ali tiveram lugar exibições das classes de ginástica, apresentação única do andebol de onze, corridas de galgos, paradas e desfiles militares. Junto aos balneários construíu-se um campo de patinagem ao ar livre com utilização para o basquetebol, dois “courts” de ténis de boa qualidade e capacidade para nele serem disputadas provas oficiais ( e foram várias as que ali se realizaram) e um campo de treinos pelado para preservar o relvado.
Mas a megalomania dos dirigentes desse tempo não conhecia limites. Concluído o Campo Estrela logo se abalançaram a mudar de ginásio-sede passando do Largo do Paraíso para o belo Solar dos Gama Lobo, na Rua de Serpa Pinto, numa operação financeira de vultuosa envergadura a que havia de acrescer obras de natural adaptação à nova função. Praticamente todas as verbas disponíveis foram carreadas para este empreendimento e mesmo assim não chegaram pelo que as dívidas começaram a avolumar-se imparavelmente. Para fazer face aos encargos assumidos, os seus responsáveis viram-se obrigados, em 1960, a hipotecar o Campo Estrela, por mil contos à Caixa Geral de Depósitos. Quatro anos depois foi necessário proceder a novo arrelvamento pois um vírus desconhecido acabou por destruir o tapete inicial. E em 1966 o Lusitano desceu de divisão.
5. Depois de muito cirandar pelas divisões inferiores, onde a esmagadora maioria dos outros clubes não dispunham de estádios dignos desse nome quanto mais relvados, o Lusitano, não mais voltou à elite do futebol nacional. Mas em 1976, já depois da Revolução de Abril, uma direcção presidida por Manuel Joaquim Bento Prates, conseguiu pagar a hipoteca à Caixa Geral dos Depósitos fazendo com que o Campo voltasse à posse plena do clube e devolvesse o orgulho perdido às suas gentes. O Campo Estrela continuava a ser um dos melhores campos dos país, o melhor de todo a Alentejo, tendo sido alvo de dois novos arrelvamentos.
Paulatinamente foi perdendo esse estatuto por falta de dinheiro para investir na sua conservação e reparação de que começou a necessitar urgentemente, a partir da entrada no novo século. PCP e PS começaram, à vez, a falar na construção de um Estádio Municipal considerando que os dois estádios da cidade (Estrela e Juventude) estavam “demodés”e ultrapassados e não se coadunavam com o prestígio da cidade. Os clubes começaram a desenvolver, sem pressas, projectos de modernização dos seus parques de jogos.
Tudo se precipitou quando num belo dia de finais de 2005 Luís Filipe Scolari veio a Évora e se deixou tomar de amores pelo Hotel Convento do Espinheiro e pela sua localização tendo decidido que aquele era o lugar ideal para a selecção nacional estagiar, antes de partir para a Alemanha a fim participar na fase final do Campeonato  de 2006. Havia a questão de um campo de treinos que se desejava novo e afastado da cidade. Num processo nebuloso, dissimulado e nada transparente, Câmara, Lusitano, Federação Portuguesa de Futebol, uma empresa imobiliária (Eborimo), e posteriormente a CCDRA- após uma nega inicial- uniram-se na obtenção e viabilização de um espaço desportivo cujo modelo de gestão deveria assentar na criação complementar de um empreendimento turístico de interesse social e desenvolvimento, a construir de raiz, três quilómetros distante da cidade.
Para esse efeito o Lusitano receberia a Herdade da Silveirinha, cedendo  à Eborimo  o Campo Estrela e mais uns trocos, resultantes da transformação deste numa área residencial de luxo. Um negócio que desde logo se antevia como devastador e ruinoso para o clube. O desconhecimento de casos parelhos anteriores, e que haviam redundado em tremendos fracassos, toldou o raciocínio de quantos queriam protagonismo na imensa feira de vaidades em que o projecto Scolari/Federação se transformou.
Assim se condenou à demolição futura o velhinho Campo Estrela. Para o conseguir, todos os obstáculos foram removidos, tendo-se tornado necessário recorrer, inclusive, à realização de uma Assembleia Geral que procedesse à alteração dos estatutos do clube os quais não consentiam a alienação do seu património. Com esse objectivo realizou-se, no auditório da CCDRA, a dita assembleia, claramente manipulada pelo Presidente da Direcção, Luís Morais Santos, que prometeu e garantiu aos presentes que esta operação permitiria revitalizar o clube e trazê-lo de retorno à glória passada. Com poucos sócios no anfiteatro, pois os  mais antigos não queriam associar-se ou assistir à traição que se preparava contra o clube, os apaniguados de Morais Santos conseguiram levar a sua avante por 46 votos. 
Passada a euforia, que mais não durou que seis escassos meses, e retirados todos os equipamentos federativos que tinham tornado o recinto funcional, ficou à vista o esqueleto do ridiculamente designado Complexo Desportivo da Silveirinha que afinal não passava de um relvado, um balneário duplo e uma pequena bancada tosca e má qualidade, plantados no meio de um descampado de uma herdade, carecida de acessos decentes. Percebido o logro, os sócios mais antigos entraram em debandada, lamentando-se que aquele deixara de ser o seu clube de sempre.
Quatro anos depois, o novo presidente, à beira do centenário da colectividade. o novo presidente da Direcção, Manuel Porta, veio para a imprensa (Jornal A Bola e Registo.203)  queixar-se de que o clube não tinha dinheiro nem património. Dos «três milhões que o Lusitano recebeu não lhe encontrei o rasto». Mas Porta teve entradas de leão e saídas de sendeiro E calou-se, não se lhe voltando a ouvir a voz.. Desta embrulhada que ainda está por deslindar (e não sabemos se algum dia o virá a estar) resultou que o Lusitano esteve em vias de desaparecer, e isto só não aconteceu porque um grupo de gente nova teve a coragem de pegar numa colectividade moribunda e pouco a pouco tem conseguido evitar-lhe a morte anunciada.
5. No momento actual a situação parece ser a seguinte: oito anos passados, o negócio não está concluído. O complexo desportivo da Silveirinha não passa de um relvado plantado numa herdade (até serve para a pastagem de vacas) e é seguramente o pior campo de futebol do distrito, à mercê de quem o queira utilizar. Quanto ao empreendimento turístico e social nem vê-lo. A Evourbe não tem dinheiro para o construir pelo que o terreno continua a pertencer-lhe, não tendo cumprido o estabelecido na troca.
Mas o negócio não é reversível, porque apressadamente a direcção de Morais Santos celebrou com a Eborimo um contrato público de compra e venda o que legitima a posse do Campo Estrela na posse da empresa imobiliária e do seu proprietário Arnaldo Joaquim Tatá Súcia sem ter esperado que esta lhe tivesse entregue completamente terminado o Complexo da Silveirinha.
O caricato em toda esta situação é que o Lusitano passou a ter no Campo Estrela, a sua sede, escavada nas bancadas desde a saída da Rua Serpa Pinto, num espaço exíguo onde se despejaram e amontoaram a trouxe-mouxe o acervo e o espólio da colectividade, desde documentos importantes, a troféus importantes, galhardetes, fotografias e os montes de livros da sua antiga e valiosa biblioteca, tudo sofrendo danos irreparáveis. Só o extraordinário trabalho de inventário, reparação e preservação levado a cabo pelo antigo atleta Carlos Falé, a que se juntaram recentemente, segundo se sabe, mais alguns elementos, evitaram  o desaparecimento de parte significativa da memória do clube.
O mítico Campo Estrela, espaço desportivo de referência da nossa cidade, chega assim ao seu centenário de existência. Espera-se que a actual direcção clarifique a situação real, em que ele se encontra e no próximo dia 15 de Junho nele organize, no mínimo, um festival desportivo com a presença de todas as colectividades eborenses, como forma de celebração da efeméride.
6.Neste quadro, pergunta-se qual virá a ser o destino do Campo Estrela? Se a cultura geral e desportiva dos então dirigentes do Lusitano fosse outra, decerto que teriam tomado outro tipo de precauções com o que lhes era proposto. É que o presente envenenado com que lhes foi acenado já tinha antecedentes pouco recomendáveis.
Foi, recorde-se, o sucedido com outro mítico Estádio das Salésias, do C. F. Belenenses. Construído em 1928, foi o primeiro a possuir bancadas e a ser relvado, possuindo campo de jogos, campo relvado, de treinos e pista de atletismo. Foi durante largos anos considerado, sem qualquer contestação, o melhor campo desportivo da Península Ibérica Até à construção do Estádio Nacional ali se disputavam os jogos da selecção Nacional e a partir do começo da competição em 1939, as finais da Taça de Portugal.
Foi assim até ao dia azarado em que Duarte Pacheco, ministro das Obras Públicas de Salazar e a desempenhar cumulativamente as funções de Presidente de Câmara de Lisboa, pôs os olhos no local e decidiu que ele devia ser abatido e expropriado porque se tornava necessário fazer por ali passar uma estrada. Duarte Pacheco viria a morrer num desastre de automóvel sem que esse plano estivesse concluído mas Salazar em homenagem ao engenheiro falecido decidiu levar por diante o projecto de abatimento e expropriação para ali instalar um bairro social que levaria o nome do antigo ministro.
Em troca o Belenenses recebeu um terreno na zona do Restelo onde se situava uma antiga pedreira, abandonada, da cidade. O negócio revelou-se ruinoso e determinou o início do declínio do Clube da Cruz de Cristo que teve de gastar rios de dinheiro para conseguir construir um estádio em zona de tão pouca aptidão geológica. Por outro lado a mudança do Bairro do Alto da Ajuda para o Bairro de Restelo custou-lhe a perda de significativo número de adeptos.
Passados perto de 60 anos nada ali feito: nem estrada, nem bairro social, nem outra coisa nenhuma. O antigo Estádio das Salésias é hoje um espaço abandonado, degradado, transformado numa lixeira onde se despejam toda a sorte de objectos e detritos. As balizas, as arcadas que constituíam as bilheteiras e restos da bela pista de atletismo ainda são visíveis no monturo de esterco e imundices ali depositado. E no meio de tudo isso, por lá se pode encontrar uma lápide deixada pelo adeptos do Belenenses na altura em que o clube de lá foi expulso: “C.F.”Os Belenenses” Estádio das Salésias  1º campo Relvado  em Portugal  29/1/1928 – 9/9/1956
7.A história do Estádio das Salésias é aqui trazida à colação pelas perigosas semelhanças com o que passa no Campo Estrela. Mas que não é única e recorde-se o que se passou com o Estádio do Lima, que quase toda a gente já viu na televisão sem o saber. É que o Estádio do Lima foi o cenário onde decorreu o célebre jogo entre o F.C. Porto e o Sporting, relatado por Pedro Moutinho e registado em película pelo realizador Artur Duarte no seu célebre filme “O Leão da Estrela” (1947) , impagável comédia interpretado pelo genial António Silva, no papel de um fanático sportinguista que a propósito do jogo decide ir alojar-se, mais a família, em cada de  uns conhecidos, por seu turno indefectíveis portistas.
O Estádio do Lima, o segundo a ser relvado em Portugal, dois meses depois das Salésias, era do Académico do Porto e também de extraordinária qualidade pelo que o clube o emprestava ao F.C.do Porto em jogos de maior importância. Tinha além de uma pista de atletismo, outra de ciclismo onde começaram algumas Voltas a Portugal e se exibiram alguns grandes nomes da velocipedia mundial, como Fausto Coppi. O campo tinha sido erguido na Quinta da Lomba, alianado sine die à Santa Casa da Misericórdia do Porto que nos idos de 60 veio a reclamar a sua posse para nele erguer dois bairros sociais pelo que o Estádio do Lima foi completamente demolido.
Cinquenta anos depois o local é um descampado e um baldio abandonado pela própria Misericórdia que ali não ergueu coisa nenhuma e a única que existe é um pavilhão que serve de sede ao Académico do Porto levantado num pequeno espaço que na altura a instituição “magnanimamente” lhe destinou.
No ano em que completa cem anos, este parece ser o futuro do Campo Estrela. Mas é inaceitável acatar sem indignação ou revolta decisões como esta que eliminam  da consciência colectiva  a evocação dos sítios e dos lugares  que  foram, goste-se ou não de desporto ou de futebol, emblemáticos de uma cidade e no caso do Alentejo. Registe-se como lembrança final que para assistir a jogos no Campo Estrela, que chegou a acolher cerca de vinte mil espectadores, vinha gente de todo o Alentejo, da zona sul do país e até da raia espanhola que traziam atrás de si as famílias que ocupavam literalmente a urbe, como não mais se voltou a ver. Memórias de um tempo que não volta mais.
Que restará de ti, dentro de alguns anos, velho, simpático e simbólico Campo Estrela? Quanto à conclusão do “Simplex” da Silveirinha bem podemos esperar sentados.

José Frota


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