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"Cheira a Pólvora na Europa", Paulo Neto

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OPINIÃO

Cheira a Pólvora na Europa

No plano político, factos recentes agudizaram a tensão na Europa.

No final de 1938, poucos meses antes do início da II Guerra Mundial, Peter Drucker publicou The End of Economic Man, um livro onde antecipou a tragédia que, de forma vertiginosa, se aproximava da Europa e que, no seu entender, era resultado de “uma perda de fé política, de uma alienação política por parte das massas europeias, e de uma total ausência de liderança na Europa, apesar do palco político estar repleto de personagens a trabalharem freneticamente”.Em The End of Economic Man, os capítulos “Desespero das Massas” e o “Regresso dos Demónios” foram especialmente premonitórios. E os demónios de que Peter Drucker falava eram o desemprego, a crise, o nacionalismo e a guerra.
Setenta e seis anos depois, multiplicam-se os apelos sobre a necessidade da União Europeia (UE) tomar medidas que reavivem os valores e os desígnios da União. O Relatório de 2013 do Eurobarómetro do Parlamento Europeu, publicado em Setembro, expõe uma realidade europeia muito preocupante: i) Apenas 43% dos inquiridos afirma ter algum interesse pelas questões europeias; ii) O interesse dos cidadãos relativamente aos assuntos europeus diminuiu em 25 dos Estados-membros (nomeadamente em França, um dos países fundadores da União); iii) Cerca de 31% dos europeus inquiridos dizem não conhecer nada sobre qualquer das Instituições da União (61% no Reino Unido e 51% na França); iv) Apenas 33% dos europeus consideram como prioritária a coordenação europeia das políticas económicas e orçamentais; v) Somente 51% dos cidadãos europeus valorizam a importância das políticas de luta contra a pobreza e a exclusão social; vi) 74% reconhecem a necessidade das políticas europeias de promoção do emprego; vii) Apenas 54% dos inquiridos reconhecem a protecção dos direitos humanos como um valor fundamental para a UE e viii) Só 33% consideram como muito importante a solidariedade entre os Estados-membros.
No plano político, factos recentes agudizaram a tensão na Europa. Desde logo, a forma como a UE lidou com a crise da dívida soberana de vários Estados-membros e que reacordou alguns dos demónios de Drucker. A tensão social, de que a “Revolta dos Forconi”, de Dezembro de 2013, é apenas mais um exemplo, alastrou por vários Estados-membros e, em muitos deles, o discurso nacionalista ganhou relevância em várias eleições nacionais e regionais. Aumentou também na UE a tensão norte-sul e oeste-este, e no discurso do Estado da União, de Setembro de 2013, no Parlamento Europeu, o Presidente da Comissão Europeia (CE) recordou mesmo o exemplo de 1914 e a forma como a “Europa caminhava sonâmbula para a catástrofe da guerra”.
Outros factos foram igualmente importantes para esta crescente tensão europeia. Por exemplo: i) O modo como a CE abriu a investigação sobre o excedente externo da Alemanha; ii) A reinvindicação britânica de submeter a referendo o futuro das suas relações com a UE; iii) As restrições à livre circulação de trabalhadores búlgaros e romenos, por parte de vários Estados-membros, intensificaram, nesses países, muitas das críticas à UE; iv) Os crescentes confrontos na Turquia, um país até há pouco tempo considerado um exemplo nessa zona do mundo; v) A falta de consenso na União quanto ao futuro do Kosovo; vi) A tensão crescente, entre a UE e a Rússia, decorrente das revoltas pró-UE e pró-Rússia na Ucrânia, em finais de 2013. A Rússia, segundo a Euronews, terá inclusivamente deslocado alguns dos seus mísseis para mais perto das fronteiras da UE. A discussão sobre o futuro da Ucrânia está a aumentar também entre os países da União e o sonho de levar a UE do Atlântico até junto da Rússia parece adiado; vii) A violência da resposta de deputados britânicos, no final do ano, a um comentário do Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados sobre a futura lei de imigração do Reino Unido e viii) A distância existente entre os europeus e as Instituições da União, bem como aos temas aí em discussão, como é o caso da União Bancária.
Muitos dos políticos de que Drucker falava, como Neville Chamberlain ou Édouard Daladier, eram, certamente, tal como acontece hoje, homens bem intencionados. Mas não conseguiram, a tempo, evitar o destino que a Europa tomava. 
Num artigo publicado no PÚBLICO em 27.12.2013, Viviane Reding e Olli Rehn, dois Vice-Presidentes da CE, defendem que “se soubermos manter as dinâmicas das reformas, as perspectivas de uma intensificação da retoma económica da Europa em 2014 e nos anos seguintes serão uma realidade”. Façamos votos de que assim seja.
Professor Auxiliar com Agregação, Universidade de Évora, Departamento de Economia
(Crónica no "Público"de hoje)


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