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SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA POLÍTICA DE ÉVORA: OS CATÓLICOS PROGRESSISTAS (1964-1976)

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1.Corria o ano de 1964 quando chegaram a Évora os primeiros ecos do Concílio do Vaticano II. Os meios estudantis e operários católicos da cidade começavam a agitar-se perante os novos ventos que sopravam de Roma. Perspicaz, apesar do seu aspecto bonacheirão, João XXIII, procura levar a Igreja a adaptar-se à nova ordem mundial, de cariz sócio-político, saída dos escombros da II Guerra Mundial, preconizando o  “aggiornamiento”, ou seja, o ajustamento dos princípios católicos ao mundo actual e moderno.
O  Arcebispo de Évora, D. Manuel Trindade Salgueiro, passava a maior parte do tempo em Roma, de onde ia mandando  os seus «Ecos do Concílio» para o semanário “A Defesa”  de que era director  há muitos anos Monsenhor José Filipe Mendeiros. Este era na realidade quem mandava na  Arquidiocese, bem acolitado pelo Código José Augusto Alegria, ambos fascistas de formação e convicção. Desesperados com a situação muitos sacerdotes, ansiavam por uma situação que os pudesse por em causa e contavam principalmente com o Padre José Alves Gomes, chefe de redacção de “A Defesa” para os ajudar no desbloqueamento da situação asfixiante que se vivia.
2.Perguntar-se-á quem era José Alves Gomes? Nascera em Vila Fernando, concelho da Guarda, a 3 de Março de 1923 e muito novo veio estudar para o Seminário de Évora  tendo sido ordenando padre em 1946 na Igreja de Arraiolos. Em Outubro desse ano o prelado nomeou-o padre coadjutor de Coruche com a missão de ir pastorear especificamente  a  paróquia do Couço, mais conhecida pela «pequena Moscovo». De grande humildade e inteligência rara, Alves Gomes. fora, ainda enquanto aluno, nomeado editor e administrador da revista “Alvoradas”, órgão mensal do Seminário Diocesano, em publicação desde Janeiro de 1945. Passava agora a acumular com as funções de prefeito e professor do Seminário.
Com grande aceitação entre os jovens, com os quais dialogava abertamente e escutava com atenção, além do serviço religioso prestado, fez da docência da disciplina de Religião e Moral - na Escola de Regentes Agrícolas e depois na Escola Comercial e Gabriel Pereira -, da defesa dos mais fracos, da resistência à ditadura e à estupidez institucionalizada  e do jornalismo activo as grandes paixões da sua vida.
Foi assim que a 17 de Outubro de 1964, “a Defesa”, sob o seu comando e orientação (era o seu chefe de redacção e editor) ousou  desafiar a Censura e o Governo, na pessoa de Franco Nogueira, para defender o sentido espiritual da visita de Paulo VI á Índia, no âmbito do Congresso Eucarístico de Bombaim. A deslocação papal havia exasperado Salazar e Cerejeira, os quais de comum acordo, haviam proibido a difusão de qualquer comentário afora o comunicado oficial emitido. Nenhum deles havia digerido ainda a anexação dos territórios de Goa, Damão e Diu por parte da União Indiana, ocorrida em finais de 1961, situação que não merecera qualquer espécie de condenação ou repúdio, quer da comunidade internacional quer da Santa Sé.
No artigo publicado que constava de 4 parágrafos de alguma densidade de termos, considerava-se que « a propósito desta apostólica visita deve saber-se que Sua santidade foi visitar, não o país agressor, mas uma comunidade de 4 milhões de católicos. Esta verdade está acima de todas as especulações.» No domingo seguinte, comemorativo das festividades do Cristo-Rei, quatro sacerdotes da cidade leram-no integrado no decurso das homílias  das missas de que foram celebrantes: Monsenhores Vicente da Costa (Carmo) e João Luís de Carvalho (S. Mamede), o padre Serafim Tavares (Santo Antão) e o cónego Manuel da Silva Salvador (S. Francisco).
3.O caso chegou ao conhecimento de um agente local da PIDE que elaborou um rápido relatório informando a sede na Rua António Maria Cardoso, em Lisboa. No dia seguinte uma brigada da polícia política deslocou-se a Évora e “convidou” os quatro padres para uma visita às suas instalações, a fim de serem interrogados. Ao tomar conhecimento da ocorrência a Nunciatura Apostólica em Lisboa (Cardeal Maximilien Furstenberg) , avisou o Vaticano recebendo ordens para  protestar  oficialmente e de forma veemente, junto de Salazar, contra a detenção para interrogatório dos sacerdotes.
Por seu turno, o Arcebispo de Évora ausente em Roma a acompanhar os trabalhos conciliares, foi colhido de surpresa e  mandatou de imediato o vigário-geral, José Filipe Mendeiros, persona grata ao Estado Novo, para o representar no caso. Chegou a temer-se o pior, mas depois de fortemente admoestados e intimidados, os párocos foram devolvidos a Évora, ficando no entanto debaixo da mais rigorosa vigilância.
O certo é que o episódio ensombrou a abertura oficial das aulas no Instituto Superior Económico e Social de Évora (ISESE), que marcava o regresso do ensino universitário e da Companhia de Jesus, após dois séculos de extinção. A inauguração solene do ano lectivo, dias depois, a 1 de Novembro, não chegou a realizar porque entretanto o Presidente da República, Américo Tomás, tal como o Ministro da Educação Nacional, Prof..Dr. Inocêncio Galvão Teles recusaram-se a estar presentes na cerimónia., para a qual naturalmente tinham sido convidados.
Entretanto José Alves Gomes torna-se o assistente espiritual das organizações de juventude da Arquidiocese, ou seja da JEC (Juventude Escolar Católica) e da JOC (Juventude Operária Católica). Manuel Trindade morre no ano seguinte e José Filipe Mendeiros é promovido  a procurador à Câmara Corportativa em representação da Igreja Poruguesa facto omitido da sua biografia, a partir de Abril de 1974. Para a mitra episcopal vem o bispo do Funchal, David Sousa,  que era de origem monge da Ordem dos Frades Menores (Franciscanos).
Alves Gomes depressa se apercebeu que David de Sousa não era homem para comandar os destinos de uma diocese em crise. Alheio à vida da instituição restringia o seu múnus  à oração e à crença de que Salazar tinha sido especialmente ungido por Deus para dirigir os destinos de Portugal
Tudo isto veio a contribuir para que sob a orientação humanista de Alves Gomes as relações com as franjas católicos mais críticas da conúbio entre a Igreja e o Estado  ou  mesmo com grupos oposicionistas  moderados se fossem intensificado, Em “ A Defesa”, o padre vai  dando destaque a alguns textos de católicos inconformados com o rumo  da Igreja Portuguesa enquanto nas suas apreciadas “C3” (cartas, crónicas e comentários)  prega , sem qualquer pejo, a sua revolta contra as injustiças, denunciando a prepotência dos poderosos e arremetendo contra os interesses instalados.
4. Quando em 1968 Salazar fica impossibilitado de continuar a governar o país e é substituído por Marcelo Caetano o grupo de católicos eborenses críticos do regime está bem organizado e dispõe mesmo de alguma força dentro da Diocese e até externamente. José Alves Gomes é o polo aglutinador dos seus diversos sectores.  Mariana Calhau Perdigão, professora do ensino primário, filha de abastados propriedades rurais mas de profundas raízes republicanas estava desde os primeiros anos da década à frente da JEC diocesana e havia sido designada presidente da Juventude Internacional Católica; na JOC pontificavam os bancários António Augusto Ramos e Joaquim Ventura Trindade, vice-presidente da   Junta Diocesana da Acçâo Católica e membro da Delegação de Évora do Sindicato dos Bancários. Por sua vez o arquitecto Manuel Tierno Bagulho, conhecido oposicionista católico, técnico superior das  Federações Portuguesas das Caixas de Previdência do Alto Alentejo  e professor de Desenho no Liceu Nacional, é chefe regional da Arquidiocese de Évora do Corpo Nacional de Escutas e integra o primeiro Secretariado dos Cursos de Cristandade.
De Lisboa, do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras e da militância na JUC (Juventude Universitária Católica). o eborense Manuel Jorge Pombo Cruchinho trará,  um amigo muito especial, Abílio Miguel Joaquim Dias Fernandes , um moçambicano de ascendência goesa a quem ajuda a instalar-se na cidade Abílio Fernandes tinha prestado serviço militar na Reserva Naval e depois de concluído o curso fora contratado como Técnico do Instituto Nacional  de Investigação Industrial, mas alguns problemas de ordem política levaram à sua detenção pela  PIDE. Estava desejoso de deixar Lisboa e consegue mediante a sua militância católica arranjar colocação como professor no jesuítico Instituto Superior de Estudos Sociais e Económicos de Évora (ISESE) leccionando Análise de Balanços e Contabilidade
O ambiente de contestação alarga-se ao Seminário onde o vice-reitor Manuel Madureira Dias, assistente diocesano da Acção Católica, dirá na sessão solene de abertura desse ano: «Nenhuma autoridade poderá impedir que a liberdade se exercite nem a obediência poderá impedir o seu exercício». As autoridades civis que assistem ficam surpreendidos com a ousadia , não querendo acreditar no que ouviam.
5. Na cidade o ambiente de descontentamento contra o regime permanece em estado de intensa expectativa dada a promessa feita por Marcelo Caetano de reformar a União Nacional abrindo nela espaço para todos os que desejam «uma evolução na continuidade» sem grandes roturas mas através da adopção gradativa de uma perspectiva liberalizante na senda futura a percorrer. «A sua intenção notória era a captar quadros da Acção Católica que nos últimos anos do salazarismo haviam aparecido ligados à esquerda estudantil e aos socialistas, agrupados em torno da revista O Tempo e o Modo», segundo o historiador Rui Ramos. Marcelo Caetano anunciou por outro lado, a realização de eleições abertas à concorrência da Oposição Democrática desde que respeitadas determinadas condições. E porque a morte de centenas de jovens, todos os anos e em número crescente, nas guerras de África começavam a perturbar as  consciências as quais se começavam a interrogar sobre os verdadeiros interesses que estavam em jogo, esse foi um dos termos interditos à discussão eleitoral.
São comunistas ou simpatizantes  os primeiros eborenses a empenhar-se na constituição de uma Comissão Democrática Eleitoral (CDE)  na esfera mais vasta do Movimento Democrático Português como forma de concorrer ao acto eleitoral. Sem nomes sonantes para avançar com uma lista credível é aos católicos progressistas que vão buscar apoio para se apresentar a sufrágio. A ligação a partir de Lisboa é operada pelo arquitecto Nuno Teotónio Pereira , uma das principais figuras dos católicos progressistas enquanto o núcleo de Évora é animado por José Alves Gomes.
Entretanto, Alves Gomes aproveita a ida de Paulo VI a Genebra, em Junho, para participar, a convite no 50º. Aniversário da OIT (Organização Mundial do Trabalho) para afirmar que «a presença da Igreja marcará um capítulo novo no diálogo com o mundo operário». No semanário católico eborense prossegue :« para o mundo operário, a Igreja aparece como uma poderosa organização feudal e como uma sociedade de homens muito poderosos com domínio obre os crentes». O editor ressalva o exemplo de alguns padres que cumprem a sai missão junto dos mais carenciados e ostracizados mas censura acerbamente »a maioria que prefere viver à sombra dos poderosos servindo os seus interesses e ignorando a vida de miséria  dos que são vítimas da exploração gananciosa dos grandes senhores».
Dois meses e meio depois, Alves Gomes faz reproduzir no jornal, um artigo da intelectual católica Helena Cidade Moura, publicado no vespertino “A Capital” em que a sua autora evoca o 5º. Aniversário da morte do Padre Abel Varzim- o grande apóstolo do Movimento Operário Católico- deixando bem claro que «ele abriu uma esperança que não soubemos merecer».
O escândalo rebenta na Arquidiocese quando a lista da Oposição Democrática é conhecida. Dos quatro candidatos dois são católicos influentes e conhecidos – o arquitecto Manuel Tierno Bagulho e o ex-bancário e director de uma pequena empresa, Joaquim Ventura  Trindade. Os dois outros candidatos, ambos escritores, são Armando Antunes da Silva e Mário Ventura Henriques; ambos da área comunista, ainda que apenas o segundo seja militante.
Os sinos tocam a rebate no Convento do Carmo onde está instalado o Arcebispo David Sousa e no Largo da Sé onde o Cabido Diocesano custa a aparar o golpe. Por todo o lado se faz constar que leigos e padres católicos estão mancomunados com o Partido Comunista pelo que é necessário vigiá-los  e votar em massa na  União Nacional, cuja lista é encabeçada pelo advogado e proprietário Manuel Cotta Dias ( vice-presidente do Banco de Fomento) será nomeado Ministro da Economia e Finanças).
6. Se dúvidas havia elas ficaram definitivamente esclarecidas. A Diocese estava claramente  cindida em dois grupos antagónicos: o dos nacionalistas católicos e o dos católicos progressistas: os primeiros, mantendo-se fiéis à concepção corporativa do Estado e defendendo a política colonial do Portugal «uno e indivisível», enquanto os segundos procuravam dar resposta aos desafios colocados  pelo mundo moderno e defensores das expectativas abertas pelo Vaticano II discutindo a concepção de Nação e a presença de Portugal em África. Este problema será pela primeira vez ventilado durante a campanha a nível nacional, pelo arquitecto Manuel Tierno Bagulho, em sessão realizada no Teatro Garcia de Resende.
A PIDE que abrira uma delegação na Rua Gabriel Victor do Monte Pereira, sob o comando do célebre inspector Melo está atenta a todos os movimentos dos oposicionistas. E a repressão vai no sentido da atemorização da estudantada  que motivada pelas perspectivas de pôr termo  ao castrador regime do Estado Novo ajuda na distribuição da propaganda dita “subversiva”. No Liceu o fascista reitor, Adelino Augusto Marques de Almeida, figura grada da Mocidade Portuguesa e mandado para Évora para servir os mais sinistros interesses da organização assume o sabujo papel de denunciante dos próprios alunos que participam na entrega de propaganda os quais são detidos por algumas horas para interrogatórios e intimidação.
Claro que as eleições vieram a dar a vitória aos candidatos da União Nacional que em Évora obtiveram 19.341 votos contra 2.069 do MDP/CDE. Houve muita gente recenseada que, por medo, não votou. Assim mesmo os resultados assustaram os próceres do regime que os encararam mais como resultado do afastamento dos católicos que como manifestação de alguma força dos comunistas a quem aqueles quiseram prestar apoio.
As consequências não se fizeram esperar. Manuel Tierno Bagulho foi afastado da docência no Liceu e viu serem rescindidos os contratos que tinha com a Federação das Caixas de Previdência tendo de retirar para Lisboa para exercer a sua profissão como arquitecto privado. Quanto ao Padre José Alves Gomes levará um ano a ser saneado publicamente de todos os cargos que exercia, nomeadamente de chefe de redacção de «A Defesa», num momento em que já desenvolvia esforços para operar uma profunda remodelação do semanário,  tomando como exemplo o que D.António Ferreira Gomes, bispo do Porto, fizera em relação à “Voz Portucalense”.
Às intenções do editor a quem padres e leigos salazaristas e conservadores. Altamente D. David de Sousa decidiu retirar-lhe a confiança pessoal. Pusilânime, timorato e atarantado, o prelado não sabia bem o que fazer, tanto mais que no Seminário as saídas se acentuavam (Henrique Granadeiro e Diogo Pires Aurélio)  e muitos jovens que haviam começado a frequentar o ISESE se afastavam definitivamente. Padres houve que desertaram (Luís Manso e Henrique Sabino). Mas houve que esperar que  Monsenhor Filipe Mendeiros onde fora dirigir a abertura da Faculdade de Teologia da Universidade Católica  em 1968 terminasse a respectiva comissão para regressar ao comando da Diocese que o prelado não assegurava e retomasse a direcção efectiva.
Há um ano quando os restos mortais de David Sousa foram transladados do Cemitério dos Remédios para serem tumulados numa capela da Igreja do Espírito Santo, o Cónego Senra Coelho tentou amenizar a imagem desastrada que ele deixara ao argumentar que o «Arcebispo franciscano encontrou um clero muito bem preparado mas que os tempos imediatos ao Concílio II e os ventos chegados do Maio francês de 1968 transformaram o seu pontificado em cruz pesada e calvário., pois presenciou o início da crise vocacional e o debandar de alguns sacerdotes que deixaram de exercer o seu ministério».
Para que o movimento não ficasse totalmente bloqueado Mariana Perdigão, Joaquim Ventura Trindade e Abílio Fernandes ainda tentam que em Évora seja aberta uma delegação da SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social) fundada em 1970- organismo que o Governo consentira no seu aparecimento e que tinha por lema a difusão do humanismo, do desenvolvimento e social e da democracia. No seu âmbito cabia «uma vontade de mudança e uma  prática de militância social diversificada abrangendo o associativismo académico, a contestação manifesta contra o regime e a participação em organizações cristãs e actividades sindicais. Mas a informação da delegação da PIDE e a oposição feroz do sinistro Ministro do Interior António Gonçalves Rapazote inviabilizaram tal desejo.
Não obstante isto o grupo conseguiu manter-se razoavelmente unido apesar da falta de Alves Gomes, votado ao ostracismo pela Arquidiocese, colocado na prateleira e sem actividade pastoral atribuída mas sob a vigilância apertada dos esbirros do inspector Melo que lhe seguiam todos os seus passos e montavam guarda nocturna à sua residência humilde e discreta no Bairro do Poço Entre-as Vinhas (depois Bairro de Nossa Senhora da Saúde), um lugar de habitações clandestinas em que a grande maioria dos seus habitantes gente do campo que tinham vindo para a cidade à procura de uma vida melhor.
7. Muitos anos depois, Monsenhor Mendeiros virá justificar o clima pesado que então se vivia em “ A Defesa” quando em 1973 o jornal cumpriu o seu cinquentenário, dizendo que «a efeméride se comemorara «em ambiente toldado de nuvens de crise política nacional ,devido à Guerra do Ultramar. A celebração das Bodas de Prata (sic) por consequência não podia ser festiva senão enquanto o permitia a publicação de um número de 26 páginas e uma Concelebração Litúrgica presidida pelo prelado na igreja sede da paróquia do jornal, com os sacerdotes a ele mais ligados. Tudo num ambiente culto e elevado». O testemunho do cónego não podia ser mais eloquente sobre as divisões no seio da Diocese, o desinteresse pelo aniversário do jornal e as marcas que o saneamento de Alves Gomes deixara.
Nesse ano de 1973 haverá de novo eleições para a Assembleia Nacional mas a ligação entre PCP e dirigentes católicos conseguida anteriormente não é possível de concretizar novamente. Todos estes foram afastados das posições de relevo que ocupavam nos órgãos diocesanos. Mas mesmo individualmente há um distanciamento em relação á CDE cuja lista é composta por gente de pouco crédito e até desconhecida na cidade nunca por cá tendo sequer passado e  afecta à mais inflexível ortodoxia estalinista (Ana Faro  e Alves é de Lisboa e António Areosa Feio é do Porto) ou então por militantes da segunda linha comunista eborense e de pouca simpatia como Fernando Iglésias dos Santos, director fabril e Fernando Passão, trabalhador rural. Estes dois tinham apoiado a lista da CDE anteriormente e mantiveram-se  no movimento, tal como Abílio Fernandes (católico) e Antunes da Silva. (em Lisboa). O grosso dos comunistas eborenses mantinha-se na clandestinidade.
8. A Revolução de Abril fez com que a esmagadora maioria dos católicos progressistas, amedrontados com a hipótese de uma ditadura soviética que se desenhava no horizonte, particularmente no Alentejo,  viesse a aderir ao recém - constituído Partido Popular Democrático. Mariana Calhau Perdigão, António Augusto Ramos, Carlos Crus (bancário e industrial de panificação, prematuramente falecido num acidente de viação) e Armando Barbosa criam o embrião do que será o núcleo eborense do partido a que virão juntar-se entre outros Manuel Jorge Cruchinho, os advogados Armando Cunha e Sertório Barona e ainda Henrique Granadeiro e Manuel Ferreira Patrício.
O pânico instala-se na Arquidiocese com o Arcebispo a refugiar-se na oração enquanto a sede de “A Defesa” é ameaçada de vir a ser incendiada., destruída  e alguns padres de serem fuzilados como era possível ver-se pinchado nos seus muros e portas. Mendeiros e Alegria chegam a ser acusados pelos  colegas de pertencerem á PIDE, facto que a Comissão de Extinção da referida polícia política não confirmará, por entretanto terem sido destruído muitos ficheiros e desaparecido muitos outros documentos nos dias sequentes  à Revolução.
Só Abílio Fernandes permanecerá no MDP/CDE e consegue em nome da sua condição de católico que a Arquidiocese lhe alugue pessoalmente um prédio ao cimo da Rua do Raimundo para que nele se instale a sede do Movimento. Embora se distancie dos seus antigos companheiros não renega a sua fé até lhe ser pessoalmente conveniente (havia que manter preservado o estatuto de docente do ISESE) e a oportunidade irá deparar-se quando é  convidado para encabeçar a lista da FEPU (Frente Eleitoral Povo Unido) coligação que engloba o Partido Comunista, o MDP/CDE e a Frente Socialista Popular, fórmula encontrada pelos comunistas de conquistarem o maior número de autarquias possível nas primeiras eleições em 1976.Eleito  presidente, Abílio Fernandes adere ao PCP e repudia a sua fé religiosa e troca-a pela crença no comunismo. A sua prestação de serviço militar na Marinha (Exército Colonial como lhe chamavam os comunistas) e a militância  católica são então apagada da sua biografia oficial que passa a ser elaborada e redigida pelo PCP.
9. Dissolvido este grupo é tempo de saber o que aconteceu a cada um, nomeadamente no âmbito político, a seguir à instauração da democracia.
O padre José Alves Gomes depois de feita a sua travessia do deserto veio a ser reabilitado nos anos seguintes à Revolução tendo exercido as funções de capelão da Casa dos Duques de Cadaval em Évora, chefe do Gabinete das Relações Exteriores da Universidade de Évora, Secretário da Pastoral Rural e delegado da Rádio Renascença em Évora. Vítima de doença grave faleceu em 26 de Julho de 1985 no Hospital de Santa Marta em Lisboa.
Mariana Calhau Perdigão veio a ser a primeira mulher  a exercer o cargo de governador civil em todo o país, tendo sido nomeada para a função em Évora no 1º. Governo da Aliança Democrática, liderado por Francisco Sá Carneiro, lugar que manteve com Francisco Pinto Balsemão e donde saiu em 1983. Foi depois eleita deputada à Assembleia da República em representação do PSD tendo cumprido o mandato até 1985. Com a eleição de Cavaco Silva que detestava, deixou a actividade político-partidária e reaproximou-se da Igreja exercendo diversas cargos de relevo em instituições de Cultura. Faleceu a 11 de Novembro de 2008.
O arquitecto Tierno Bagulho ainda regressou a Évora para tomar posse da Comissão Administrativa da Câmara de Évora logo a seguir ao 25 de Abril mas afastou-se também da vida política ao verificar o rumo que as coisas tomavam. Joaquim Ventura Trindade, vivendo entre Elvas e Évora e dirigindo a sua empresa em Campo Maior, foi eleito presidente da Câmara elvense pelo PSD no triénio 1980-82, tendo constituído um caso único na história do poder local pois exerceu o cargo gratuitamente. Sim, gratuitamente. Depois afastou-se da vida partidária. Tem 80 anos e ainda hoje ainda hoje assina uma crónica semanal no “Diário do Sul” de acordo com o seu estatuto de independente.
Manuel Jorge Pombo Cruchinho foi professor do ISESE e da Universidade de Évora, Director Geral das Contribuições e Impostos, Secretário-Geral do Ministério da Administração Interna, Director da EDP e Presidente do Conselho Fiscal do BPA, num percurso de grande descrição. Até há um mês e meio era vogal do Conselho Fiscal da Fundação Eugénio d’Almeida onde ganhou prestígio e fez fortuna Henrique Granadeiro que desde 1984 pertence à Administração, vai portanto para 30 anos. Ele é o verdadeiro dono da Fundação seguido da secretária-geral Maria do Céu Ramos, filha de António Augusto Ramos. Todos os outros  membros dos corpos sociais não passam de figuras decorativas, de meros verbos de encher.
Manuel Madureira Dias foi enviado para pároco de Elvas em 1970 e em 1988 nomeado bispo do Algarve, lugar a que renunciou em 2004.por razões de saúde causadas por problemas cardíacos e circulatórios. Por seu turno David Sousa renunciou alegadamente por idênticas razões em 1981 e recolheu-se ao Seminário Franciscano da Luz, onde esteve até falecer em 2006, com 94 anos. Fidelíssimo ao Estado Novo foi incapaz de ler os sinais da história. Depois de 1974, viveu atormentado e amedrontado pelos tempos do PREC , do gonçalvismo e da reforma agrária. Apavorado, desacreditado e desrespeitado por aqueles de quem fora serventuário e lhe exigiam agora acção firme em tomadas de posição contra os sucessivos ataques à Igreja era um homem atarantado vivendo no pavor do comunistas. Retirado de Évora, passaram-lhe todas as maleitas e gozou em sossego de mais 25 anos de vida.
Resta Abílio Fernandes cujo perfil é bem conhecido pelo exercício de mais de um quarto de século do cargo de presidente da Câmara Municipal, período durante o qual teve alguns diferendos com a Arquidiocese, a partir do momento D. Maurílo Quintal de Gouveia assumiu a mitra episcopal. Este chegou a ameaçá-la de um processo de despejo do prédio que lhe havia alugado para instalar a sede do MDP/CDE, na altura praticamente já inexistente e que já servia como segunda sede do PCP. Quanto à sua amizade com o homem que o trouxera foi-se diluindo ao longo dos tempos até se limitar nos dias de hoje, segundo julgo saber, a um frio cumprimento de circunstância quando casualmente se encontram.

José Frota (mail)

Fontes

Imprensa
Jornal  “A Defesa” (1946-1976)
Frota, José “Um comunista saído da Igreja”, Jornal Expresso, 15/5/1993
Frota, José “ Diocese enfrentou Salazar (1964)- quatro padres foram chamados à pide”  Revista “Évora Mosaico”, nº 6 , 3º. Trimestre 2006, Edição da Câmara Municipal de Évora.

Bibliografia
ANTOLOGIA “O Tempo e o Modo”- Revista de Pensamento e Acção”, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian /Centro Nacional de Cultura, Lisboa, Dezembro de 2003.
ALMEIDA, João Miguel, “A Oposição Católica ao Estado Novo 1958-1974, Edições Nelson de Matos, Lisboa., 2008.
FROTA, José, “História da Imprensa Eborense, Edição de Autor, Évora, 2003.
LEMOS, Mário Matos e, “Candidatos da Oposição à Assembleia Nacional pelo Estado Novo (1945-1973) – Um Dicionário”, Editorial Texto/Divisão de Edições da Assembleia da República, Lisboa,2009.
PIMENTEL, Irene Flunser Pimentel. “A História da PIDE”, Edição do Círculo dos Leitores, Temas e Debates, Casais de Mem Martins, 2007
RAMOS, Rui, “História de Portugal”, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2009.
ROSAS, Fernando e OLIVEIRA, Pedro Aires, “ A Transição Falhada – O Marcelismo e o Fim do Estado Novo (1968-1974), Editorial Notícias, Lisboa, Abril de 2004.
ROSAS, Fernando, “Nova História de Portugal, O Estado Novo (1930-1960), Vol.XII, Editorial Presença, 1990. 

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