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A morte que não mata a esperança

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Morreu um homem. Um homem que lutou a vida toda por um ideal maior, pagando um elevado preço por essa atitude, nunca apresentando a conta aos seus verdugos.
Na morte, surgem sempre moralistas, carpideiras, gente que ensaia proximidades que nunca teve e intimidades ideológicas que nem nos sonhos mais imaginativos aconteceram.
É como se a morte tivesse efeito purificador nos vivos, que herdariam todas as virtudes dos acabados de partir e que por um passe de mágica os aliviassem da toda a má consciência que possam transportar.
Acontece com mais frequência quando os que acabam de falecer deixam uma marca indelével na história da humanidade, pelo seu comportamento, pela sua força, pela sua capacidade de liderar no caminho da superação das fronteiras que nos tornam humanos.
Nesse momento, os que lhes foram indiferentes em vida vêm citar as suas palavras, quantas vezes descontextualizadas, tentando que a grandeza do falecido dê brilho à mesquinhez dos seus interesses, à menoridade do seu carácter rancoroso ou à sua incapacidade de gerir outra coisa que não a projecção da sua imagem num qualquer espelho que apenas devolve uma irrealidade do seu agrado.
A morte de Mandela é um desses momentos, que transforma hienas em gatinhos, senhores da guerra em amantes da paz, múmias que medem as palavras silaba a silaba em emocionados e respeitosos admiradores.
O povo sul-africano deve a Mandela, e ao movimento que liderou, o fim de um regime desumano e opressivo que segregava seres humanos em função da cor da sua pele e todas as homenagens serão poucas para lembrar o sofrimento infligido por uma minoria sobre a maioria do povo daquele país.
O que custa a engolir é a hipocrisia dos que lhe prestam homenagem, em contradição com a sua prática diária em que prosseguem políticas de verdadeiro apartheid social condenando à miséria milhões de seres humanos em nome da sua supremacia de classe.
Por vergonha ou decoro deveriam abster-se de invocar o nome de Mandela ou de o citar, como se fosse também património seu.
Mandela deixa-nos um legado exemplar, de luta contra tudo o que representam de desigualdades, de ausência de liberdade, de injustiça, de segregação.
São as vítimas do sistema que têm legitimidade para celebrar o exemplo do lutador que nunca se rendeu às inevitabilidades e que entendia que a palavra impossível era apenas uma opinião.
Os outros deveriam respeitosamente remeter-se ao silêncio e, quem sabe, aprender alguma coisa sobre esperança. A esperança que não morre com a morte de um homem maior.
Até para a semana   

Eduardo Luciano (crónica na rádio diana)

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