Esta fotografia vem publicada por Rui Guedes, Fotobiografia [de] Florbela Espanca. Lisboa: Dom Quixote, 1999, p. 107, com identificação dos seguintes elementos: (esquerda para a direita) Francisco da Cunha Marques, Alice Mendes de Morais Sarmento, Florbela Espanca, Lídia Amélia Nogueira, José Rodrigues Candeias, Joaquim da Cruz Margalho
Colegas do passado! Em vossas capas belas
Agoniza o luar das minhas ilusões,
Cantando brandamente ao meu brilho das estrelas
Um canto todo meu! Altivos corações,
Brilhantes olhos lindos, almas só de luz,
Ó doce riso em flor, bendita mocidade!
Eu lanço sobre vós, da humilde cruz,
A bênção sacrossanta ungida de saudade!
Andorinhas do céu que o vento da desgraça
Levou para longe! A amargosa taça
Do fel, da desdita ficou pra mim somente!
Aonde estareis vós agora amigos d' outrora?
Rindo, talvez cantando enquanto est’alma chora
Rezando enternecida esta oração dolente!...
Florbela Espanca in, Poesia Completa 3ªedicão
Publicações Dom Quixote 2002
(Há cerca de dois meses, o Adelino Santos desafiou-me a escrever alguma coisa sobre a nossa antiga colega Florbela Espanca, a mais célebre das AALNE (Antigas Alunas do Liceu Nacional de Évora) e ainda hoje tida como a maior poetisa, não obstante Natália Correia, Sofia de Melo Breyner e Maria Teresa Horta . Acontece que outro alguém já se havia antecipado e demonstrando profundo conhecimento sobre a vida e obra da nossa ilustre colega as dissecara admiravelmente e com aplauso geral. De modo que meti a viola no saco e qual o outro sapateiro remendão fiz igualmente questão em não ir além da chinela. Mas porque faz depois de amanhã, dia 8 de Dezembro, 119 anos que Florbela nasceu e 83 que decidiu por termo à vida, eu resolvi, como seu grande admirador, evocar a sua vida, em jeito de homenagem a prestar-lhe. Este escrito será seguido de mais dois que ajudarão a rememorar o passado desta mulher que foi seguramente uma figura de excepção da sociedade portuguesa do seu tempo, arrostando com um destino trágico, amargo e cruel que traduziu numa obra de altíssima qualidade literária dominada pela solidão, pela ansiedade, o desespero, a vida e a morte, o erotismo, a feminilidade e o panteísmo.)
A ANTIGA ALUNA FLORBELA ESPANCA
José Frota
Florbela (baptizada como Flor Bela) nasceu em Vila Viçosa no ano de 1894. Sendo filha ilegítima de Antónia da Conceição Lobo e de José Maria Espanca, inicialmente sapateiro e depois sucessivamente antiquário, negociante de cabedais, desenhista, pintor e apresentador cinematográfico. José Maria era casado com Mariana do Carmo Toscano, mas a esposa era estéril. Por isso conseguiu convencê-la a que ele tomasse como amante Antónia da Conceição, uma jovem serviçal muito atraente que lhe pudesse assegurar descendência, desejo que este sempre acalentara.
Dessa ligação nunca interrompida nasceram Florbela e três anos mais tarde, seu irmão Apeles, pelo qual ela sempre nutriu um amor obsessivo. Os filhos nunca viveram com a mãe. José Maria e Mariana levaram-nos para sua casa tendo esta sido madrinha de baptismo de ambas as crianças que foram registadas como filhos de pai incógnito.
Florbela frequentou a escola primária da sua terra natal entre 1899 e 1908 até chegar ao actual 6º. ano de escolaridade. Data de 1903, apenas com 9 anos o seu primeiro poema "A Vida e a Morte" antecipando já uma extrema precocidade na abordagem de dois temas em torno dos quais girará o se percurso literário e a sua reflexão. Em 1907 é acometido pelos primeiros sinais de neurastenia. O ano de 1908 será um ano decisivo na sua vida. Para lá de concluir a escola primária vê desaparecer Antónia Lobo, sua mãe, com 29 anos, vítima de uma estranha forma de neurose. Muitos verão nesta ocorrência os sinais da marca hereditária que afectará toda a sua existência.
É ainda em 1908 que a família vem viver para Évora. Morta a mãe dos filhos, João Maria Espanca vem para a cidade a fim de poder proporcionar a ambos a continuação dos estudos. A menina matricula-se no Liceu de imediato, integrando o seu primeiro núcleo feminino que em 1910 era composto já por dez alunas. No ano seguinte começa a namorar Alberto de Jesus Silveira Moutinho, seu colega. Tinha então 17 anos. Rompe rapidamente com Alberto e apaixona-se por João Martins da Siva Marques que muitos décadas mais tarde virá a ser o Director Nacional da Torre do Tombo.
Paixão efémera esta. Poucos meses depois Florbela completa o Curso Geral dos Liceus e e reaproxima-se de Alberto Monteiro com quem Vem a consorciar-se civilmente em 1913 em Évora no dia do seu 19º aniversário (há exactamente 100 anos) . O casal fixa residência em plena Serra d' Ossa, Redondo, onde funda um colégio no actual Convento de S. Paulo e no qual lecciona e dá explicações, mas sem grande sucesso.
Dificuldades financeiras fazem-nos regressar a Évora e à casa dos Espancas. Na cidade, Florbela, vai continuando a escrever os seus poemas e enceta colaboração nas revistas nacionais " Portugal Feminino", "Modas e Bordados" (suplemento feminino do diário matutino "O Século" e os periódicos locais " Notícias d'Évora " e "A Voz Pública" enquanto termina no Liceu de Évora, em 1917, o Curso Complementar de Letras, com 14 valores e se inscreve na Faculdade de Direito de Lisboa.