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"Os arrependidos", por Eduardo Luciano

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Parece que o tempo que vivemos é muito dado a arrependimentos. Todos os dias me cruzo com gente que se mostra arrependida de qualquer coisa, desde o casamento que realizou até à última opção de voto.
Não sou dos que acham que mudar de opinião seja necessariamente mau, nem dos que entendem que não mudar de opinião seja sinónimo de obstinação que normalmente está associada ao gado asinino. A generalização é sempre redutora porque tende a esbater as diferenças mais subtis que, por vezes, são as essenciais.
Nos últimos dias duas figuras públicas vieram afirmar em público o seu arrependimento por actos e palavras proferidas, causando grande estrondo nos sítios por onde a informação circula.
Centremo-nos primeiro no caso que deu origem a mais comentários jocosos e anedotas de gosto variável.
Um comentador profissional a quem foi atribuído pela comunicação social dominante o papel de enfant terrible do comentário televisivo, terá chamado palhaço ao presidente da república.
Entendendo que se tratava de uma ofensa ao mais alto magistrado da nação, a presidência da república comunicou o facto ao ministério público para eventual procedimento criminal.
Rapidamente o enfant terrible veio a público dizer que se tinha excedido e mostrar arrependimento pela expressão utilizada. Não deixa de ser curioso que o dito senhor que insulta semanalmente funcionários públicos, dirigentes sindicais, autarcas e quem mais lhe aprouver nunca lhe tenha passado pela cabeça fazer um acto de contrição pela baba populista e demagógica que lhe costuma escorrer pelo discurso.
No segundo caso temos misto de arrependimento com inusitada ingenuidade, quando um venerando actor decide arrasar o governo que ajudou a eleger com o empréstimo da imagem e do seu prestígio profissional.
Nesse mesmo texto publicado numa rede social, coloca no mesmo saco o outro actor político que contou com seu apoio para chegar à cadeira do poder.
Duplo arrependimento, portanto.
Pergunta-se o venerando actor “francamente, não sei para que servem as comendas, as medalhas e as Ordens, que de vez em quando me penduram ao peito”.
Não acredito que não saiba que as medalhas e Ordens que lhe penduram no peito são uma forma de elevar quem o condecora, muito mais que o reconhecer do seu mérito como grande actor que é.
É por isso que quando alguém recusa a “sinecura” o poder fica muito zangado e acha-se desconsiderado dizendo para os seus botões “mas quem é que este pensa que é para recusar o meu reconhecimento?”
Não acompanho os que dizem que o venerando actor não tem legitimidade para escrever o que escreveu depois de dar a cara, a voz e o seu inegável prestígio pelas figuras que agora justificadamente arrasa. Mudar de opinião é um direito básico que nos assiste.
O que já não posso aceitar como razoável é que tenha escrito “é lamentável e vergonhoso que não haja um único político com honestidade suficiente para se demarcar desta estúpida cumplicidade entre a incompetência e a maldade de quem foi eleito com toda a boa vontade, para conscientemente delapidar a esperança e o arbítrio de quem, afinal de contas, já nem nas anedotas é o verdadeiro dono de Portugal: nós todos!”
Meu caro Ruy de Carvalho, eu conheço muitos políticos que se demarcam da tal estúpida cumplicidade de que fala. Sempre se demarcaram. Por isso se candidataram em nome de uma outra política que não delapidasse a esperança, para usar as suas palavras. Percebo que não lhes reconheça a existência, é gente que não tem medalhas nem comendas para atribuir. Dizia até uma velha anedota do tempo da guerra fria que eram muito organizados mas não davam nada a ninguém.
Até para a semana


Eduardo Luciano (Rádio Diana)

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