A propósito da sugestão de introduzir a disciplina de empreendedorismo na escolaridade obrigatória, vontade aparentemente só manifestada por ministro que não é da Educação, encontrei uma frase atribuída a Freud, mas de uma banalidade desconcertante que diz «Não se deve empreender coisa alguma de que se não goste realmente.» Mas Freud é Freud e vamos lá ser justos e a partir desta banalidade que o deve ser pela descontextualização, levar a água ao nosso moinho.
Presumo que a ideia que partiu do ministro da Economia num debate na Assembleia da República onde, sabe-se lá porquê (embora desconfie), resolveu meter a foice em seara alheia, seria então criar uma nova disciplina obrigatória. Aprendizagens em torno do empreendedorismo têm sido experimentadas em alguns projetos pontuais, já que desde 2007 que existe um guião do Ministério da Educação para esta área, intitulado «Promoção do Empreendedorismo na Escola», de que aconselho vivamente a leitura aos interessados na matéria, mas que obviamente está datado do tempo dos “malditos” Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues (agora estamos muito melhor!). Sem o caráter de disciplina obrigatória devo dizer que já assisti a experiências bem interessantes nesta área, com alunos que de forma aparentemente voluntária se empenhavam com gosto e, por isso, empreendiam.
Pergunta: quem é que iria proporcionar estas aprendizagens, com caráter obrigatório, aos adolescentes portugueses? É óbvio que o da Economia atirou com a ideia, como se de um pastel de nata se tratasse, imiscuindo-se ao vivo e sem rede em assuntos de ministério alheio, o que até certo ponto vem contribuir para se ir percebendo o rumo e a coesão do governo de coligação.
Em publicação que consultei sobre a matéria do empreendedorismo na Escola, diz-se que «Os programas implementados são devidamente adaptados à realidade portuguesa, aos níveis de escolaridade e aos escalões etários. São leccionados em parceria entre os voluntários das empresas associadas e os professores das escolas aderentes, com o intuito de construir e ministrar conteúdos didácticos interessantes e motivadores do ponto de vista da sua aplicabilidade.»
Confesso que com a má disposição com que a classe docente anda por estes tempos, mesmo sendo das classes profissionais mais incitada à contestação à face do país (arriscando-se por isso o “Super Mário das Manifs” a que haja quem já não o oiça) o que felizmente acumulam enquanto profissionais, e na sua grande maioria, com um enorme esforço para que essa contestação não se reflita no sistema de ensino-aprendizagem e, por isso, nos seus alunos. Com esta disposição, não estou a ver tarefa fácil em trabalhar estes assuntos com turmas que parecem hordas, pela quantidade de cabeças e hormonas por sala. E o voluntariado de empresas faz-me logo imaginar, injustamente talvez mas não posso evitar, sessões de distribuição de amostras gratuitas. Mas enfim, deve ser influência das ações de marketing que nos acontecem em todo o lado. Afinal trata-se de empreendedorismo, não de marketing.
Assim como Freud liga o verbo empreender ao verbo gostar, também me parece que o gosto pela Educação, a haver, terá de ser mais visível por parte de quem gere este ministério, para que o exemplo contagie os alunos e o seu empenho na Escola. O que este episódio breve entre ministérios revelou também, na saga a que assistimos em que aos poucos a Escola Pública definha, é que a eliminação tout court das disciplinas de Formação Cívica e Área Projeto com a desculpa de dar mais tempo e melhorar o Português e a Matemática, mas onde o espaço para criar estas paixões existia, até ao ministro da Economia deve ter parecido um erro.
Até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira (crónica na rádio diana)