há uns bons anitos, a propósito não sei de que acontecimento em Évora sobre/com MIA COUTO - palestra, conferência, apresentação de livro - eu escrevia num Jornal local uma crónica com o seguinte título: O GOGO DAS PALAVRAS
onde falava da prática doméstica , na minha Aldeia, de tirar o gogo das galinhas
o gogo das galinhas era uma calosidade que as aves ganhavam no bico, sob a língua,
que as impedia de cantar, e com consequências mais graves, de se alimentarem
conhecendo bem os sintomas, as donas de casa camponesas pegavam uma agulha de grandes dimensões, pegavam a poedeira "doente" pelo pescoço, abriam-lhes o bico, levantavam-lhes a língua e procediam cirurgicamente à remoção do dito gogo
após o que libertavam o operado dinossauro, que sacudia as penas, ajeitava as asas
e ensaiava algumas das esquecidas notas da sua partitura
MIA COUTO, lembro o que dizia na altura, era/continua a ser um cirurgião virtuoso especializado em tirar o gogo das palavras
em libertá-las, limpar a calosidade da garganta dos falantes, permitir-lhes não só que se libertem como sons, como após excisão do gogo, elas ganhem sonoridades e sentidos novos.
MIA COUTO beneficia de viver uma língua em gestação, no choco, para retomar a linguagem galinácea, em que os falantes nativos são donos de um imaginário prodigioso.
o desde ontem detentor do abensonhado prémio CAMÕES sabe pegar nessa riqueza
em bruto, trabalhá-la, e no-la servir com o seu cunho pessoal de gosto literário requintado.
quem tenha disposto da paciência para ir acompanhando o meu lento percurso pelas veredas das palavras sabe da minha estima pelas palavras novas
gosto delas como dos gatos que pululam à minha volta mais em busca de comida do que de carinhos
uma dessas últimas criações linguísticas era um enxerto(sabem a minha vocação para a coisa vegetal) da palavra APOSTOLADO
a propósito do papa FRANCISCO, e da expetativa que vai criando em nós duma contribuição muito forte para ajudar a melhorar o Mundo
- por que não tirar-lhe o GOGO?
considerando (eu, claro) que os apostolados anteriores, na sua esmagadora maioria,
seriam sede de incríveis disputas pelo poder, a que, não estranharia que os nativos moçambicanos, como eu, batizariam de APISTOLADOS
esta conversa toda para dar um abraço de parabéns ao já grande mas agora ainda maior MIA COUTO
aí vai então o tal abraço, sobrevoando o Atlântico, como um albatroz que leva e traz
como um ALBATRAZ
António Saias (aqui)