E eu penso nesse instante em que ficaste exposta
Estavas grávida porém não recuaste
Porque a tua lição é esta: fazer frente
Pois não deste homem por ti
E não ficaste em casa a cozinhar intrigas
Segundo o antiquíssimo método oblíquo das mulheres
Nem usaste de manobra ou de calúnia
E não serviste apenas para chorar os mortos
Tinha chegado o tempo
Em que era preciso que alguém não recuasse
E a terra bebeu um sangue duas vezes puro
Porque eras a mulher e não somente a fêmea
Eras a inocência frontal que não recua
Antígona poisou a sua mão sobre o teu ombro no instante em que morreste
E a busca da Justiça continua
Sophia de Mello Breyner Andresen
Num dia assim, 19 de Maio, há precisamente 59 anos era assassinada a tiro, pelo tenente Carrajola, da GNR, a jovem trabalhadora agrícola Catarina Eufémia, em Baleizão. A memória deste assassínio persiste ainda hoje e esta manhã, Jerónimo de Sousa, em nome do PCP esteve ali a prestar homenagem à ceifeira alentejana. Esta noite, será a vez do Bloco de Esquerda, com Catarina Martins, a homenagear Catarina Eufémia numa sessão marcada para Baleizão. Este poema e este retrato de Catarina, num poster, fez parte de mim desde o início dos anos 70 e andei com ele por todos os quartos por onde passei durante mais do que uma década. A história e o destino de Catarina Eufémia era por nós conhecida, jovens estudantes do liceu de Beja e contada em noites de conversa, sendo na altura já um símbolo da resistência dos trabalhadores alentejanos ao fascismo. Havia memórias anteriores desta resistência que não tinham chegado até nós (como a da pujança do anarquismo e do anarcosindicalismo em todo o Alentejo até ser selvaticamente reprimido e destruído nos primeiros anos da barbárie fascista). Mas a memória de Catarina sempre esteve presente, sublinhada de forma sublime, depois, pela voz e pela música empolgantes de José Afonso: "ó Alentejo esquecido/'inda um dia hás-de cantar!"