Estive neste sábado num debate sobre deficiência e vida independente. É incrível como em pleno século XXI ainda tenhamos de debater o direito de milhares de portugueses e portuguesas a usufruir de liberdade e auto-determinação. Mas a verdade é que há muito a fazer no nosso país neste domínio.
As pessoas com deficiência constituem a maior minoria no mundo e em Portugal. Falamos de pessoas que se veem constantemente privadas de escolher onde viver, com quem viver, o que comer, o que vestir, com quem sair ou o que fazer com o seu tempo livre. Pessoas que não são donas da sua vida, que apenas encontram nas instituições particulares uma resposta, que culmina na inevitável institucionalização. O Estado há muito delegou nestas instituições um papel que deveria ser seu: o de proteger e garantir os direitos constitucionais a estes cidadãos e cidadãs.
Ainda que muitas instituições tenham um papel meritório, a necessidade de outro tipo de respostas é urgente. Um dos aspectos mais prementes é a possibilidade das pessoas com deficiência poderem contratar assistentes pessoais que lhes garantam a possibilidade de viver em verdadeira liberdade. Estes assistentes deverão auxiliar nos cuidados pessoais, mas também nas deslocações, na mediação sócio-laboral, na educação, no apoio à participação em actividades de lazer e cultura, na organização da vida diária, na participação cidadã, enfim, em qualquer aspecto que a pessoa tenha necessidade de apoio. Se cada um dos cidadãos sem deficiência tem livre acesso ao controlo da sua vida, então também as pessoas com deficiência terão de o ter.
Está actualmente em discussão pública o modelo de apoio à vida independente lançado pelo Governo e que pretende a instituição de projectos-piloto que se traduzirão na disponibilização de assistência pessoal para as pessoas com deficiência. Ainda que seja uma boa notícia, o modelo apresentando traz consigo várias lacunas e problemas de fundo. Em primeiro lugar, não parece que esta assistência pessoal possa chegar a todas as pessoas que requeiram, dando-se privilégio aquelas que já têm emprego ou que já constituíram família. Ainda que se compreenda que numa primeira fase, e especialmente num projecto-piloto, a assistência pessoal não chegue a todos, parece bastante injusto que se privilegiem as pessoas que já organizaram a sua vida e que já têm recursos próprios. Em segundo lugar, é incompreensível que os Centros de Apoio à Vida Independente apenas possam estar sediados em Instituições Particulares de Solidariedade Social. Se pretendemos caminhar para a progressiva desinstitucionalização, e se queremos testar vários modelos, seria de esperar que estes Centros pudessem, à imagem dos países do norte da europa, existir também no seio das autarquias ou outros serviços públicos ou em organizações de pessoas com deficiência. Em terceiro lugar, é um modelo que permite um máximo de 40 horas semanais de assistência pessoal por pessoa. Ora, a pessoa com deficiência não apresenta incapacidades apenas 7 horas por dia, nem tão pouco se pode exigir que concentre nesse período todas as suas necessidades de apoio à vida diária ou de participação cidadã. A assistência pessoal não poderá ter limite de tempo, ainda que obviamente possa vir a ser repartida por vários assistentes.
Estamos a caminhar, mas falta muito por fazer. E como diria o nosso Zeca, que já partiu há 30 anos, temos que ser gente pá! Temos todos que ser gente!
Até para a semana!
Bruno Martins (crónica na radio diana)