DA TRANSFERÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO ESTADO, PARA O NÍVEL MUNICIPAL, DA COMPETÊNCIA DO RECONHECIMENTO DA ISENÇÃO DE IMI NOS CENTROS HISTÓRICOS CLASSIFICADOS COMO PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE
A solicitação dos presidentes das câmaras municipais de Évora, Guimarães e Porto, o ministro das finanças acedeu, por fim, a reunir com os três autarcas, tendo inscrita na agenda a polémica questão do reconhecimento, pela Autoridade Tributária, da isenção de IMI nos centros históricos classificados, pela UNESCO, como Património da Humanidade.
O encontro poderia ter sido um marco miliar na longa caminhada cidadã empreendida, ao longo dos últimos sete anos, em prol da convocação para a legalidade do comportamento arrogante da administração fiscal face aos cidadãos que, nesta matéria, têm sido vítimas de uma aplicação errática e discricionária da lei.
Ao longo deste período, o Movimento de Defesa do Centro Histórico tem conduzido uma luta sem tréguas pela reposição da legalidade, a princípio isoladamente, enquanto as irregularidades se circunscreveram ao município de Évora e, mais tarde, acompanhado por associações e organizações de cidadãos congéneres, quando a arbitrariedade fiscal se estendeu a outros municípios com centros históricos classificados.
No caminho crítico deste desempenho, o MDCH averbou um conjunto interminável de contactos com associações e movimentos de cidadãos, autarcas, partidos políticos, deputados, comissões parlamentares e governantes, em suma, os interlocutores que, em cada momento, se afiguraram como os mais pertinentes para o cumprimento da sua missão.
Neste contexto, os protagonistas desta demanda colocaram elevada expectativa nos resultados deste encontro, considerando que, pela primeira vez, se sentavam à mesma mesa os factuais detentores da capacidade de acordar uma decisão definitiva e saneadora do imbróglio criado pelo fisco, uma oportunidade de ouro para retomar uma legalidade impunemente tripudiada ao longo de sete anos. Para o efeito, o MDCH disponibilizou os seus recursos ao Presidente da Câmara Municipal de Évora, em jeito de assessoria à preparação da referida reunião.
Inicialmente prevista, a presença do Presidente da Câmara Municipal de Évora acabaria por não se verificar, uma ausência cujo impacto no desenho da solução encontrada pelos participantes ainda hoje não conseguimos avaliar, sendo certo que a mesma se encontra nos antípodas da que temos vindo a propor e que se confunde com o estrito cumprimento da lei vigente, que tem merecido, em diversas circunstâncias – algumas, públicas – a concordância explícita do actual responsável pela autarquia municipal.
Assim, espera-se com alguma ansiedade uma comunicação pública do Presidente da Câmara Municipal de Évora, susceptível de esclarecer o aparente equívoco causado pela subscrição do comunicado conjunto, emitido no final da reunião com a equipa governamental das finanças e ainda não desmentido nem confirmado. Por maioria de razão porque valida uma solução jamais defendida pelo autarca.
Com efeito, esperámos que o súbito impedimento da participação no encontro (alegadamente por razões de saúde) fosse suprido por uma explicação pública do Presidente da Câmara Municipal de Évora, considerando que, dos três municípios representados, Évora é o que detém a fatia mais pesada na dimensão global do problema.
Sempre defendemos, apresentando ao Presidente da Câmara propostas concretas nesse sentido, que Évora deveria assumir a liderança neste litígio que opõe a administração local à administração central, devendo caber-lhe, por direito próprio (em razão da antiguidade da classificação e da extensão dos território abrangido pela mesma), a primazia no timbre da solução ajustada para a ilegalidade que grassa desde 2009, sendo certo que as várias conversas havidas entre o autarca eborense e o Movimento de Defesa do Centro Histórico jamais pressagiaram o patrocínio da decisão agora encontrada.
Dando de barato a barbaridade que resultará da operacionalização da decisão acordada, significando a demissão do Estado das responsabilidades de primeira linha na preservação do património edificado – falamos de Monumentos Nacionais, a categoria cimeira da classificação patrimonial – e da legitimação da arbitrariedade na aplicação da lei, com a previsível conflitualidade entre os futuros regulamentos municipais (à vez reconhecendo ou negando o direito à isenção), a Lei do Património e os compromissos decorrentes das convenções internacionais subscritas por Portugal, o que a “solução” agora encontrada verdadeiramente condena é o princípio da discriminação positiva que, civilizadamente, informou as leis de preservação do património e consagrou as políticas preventivas da sua degradação, da desprotecção da identidade cultural e da desertificação humana dos conjuntos históricos.
Em coerência com anteriores transferências de competências da administração central para os municípios, esta revelará a sua verdadeira natureza de presente envenenado, facto que as autarquias, mais adiante, acabarão por reconhecer.
Contrariamente à vitória proclamada, a autonomia municipal na definição das isenções não só branqueará as ilegalidades pregressas, cometidas pela administração fiscal, como determinará a transferência, para o nível autárquico, do ónus da manutenção dessa prática e, eventualmente, da correspondente responsabilidade. De facto, a inesperada “abertura” do governo para adoptar a “solução” agora tirada da cartola ministerial, acontece num momento em que começam a surgir sentenças judiciais e acórdãos de tribunais superiores a condenar a administração fiscal, obrigando-a ao ressarcimento dos contribuintes lesados. Até ao momento não é conhecida uma única decisão judicial favorável ao fisco.
Sobre todas estas questões, por enquanto, o silêncio municipal é ensurdecedor.
José Eliseu Pinto