Vamos lá acertar contas acerca da guerra civil que rebentou na cidade grande, durante esta semana.
Não gosto de gente que tem como único motivo de conversa os títulos do Correio da Manhã. Sejam advogados, médicos, engenheiros, sapateiros ou motoristas de táxi.
Não gosto de gente que olha pela janela do carro e a propósito de qualquer coisa que julga fora do sítio, desata a desejar que o Salazar ressuscite e que devia era ser tudo posto na ordem, de preferência à paulada ou a tiro. Sejam advogados, médicos, engenheiros, sapateiros ou motoristas de táxi.
Não gosto de gente que tem outra gente a trabalhar para si, sem salário, à peça, a receber uma percentagem do que consegue angariar dos clientes, utilizando mão-de-obra em desespero para compor salários de miséria ou prestações de desemprego indignas. Sejam advogados, médicos, engenheiros, sapateiros ou motoristas de táxi.
Não gosto de gente que acha que os outros, sejam eles quem forem, são todos uns malandros e preguiçosos e que a única força que faz avançar o mundo é a sua própria existência. Sejam advogados, médicos, engenheiros, sapateiros ou motoristas de táxi.
Não gosto de gente que afirma que as virgens e as leis existem para serem violadas. Sejam advogados, médicos, engenheiros, sapateiros ou motoristas de táxi.
Não gosto de gente racista, xenófoba, que faz intriga enquanto trabalha e que se julga guardiã do templo supremo da moral e bons costumes. Sejam advogados, médicos, engenheiros, sapateiros ou motoristas de táxi.
Não gosto de muito mais coisas e comportamentos, mas o que é que isso tem a ver com o facto de que quem exerce uma actividade, no caso o transporte individual de passageiros, dever estar sujeita às mesmas regras?
Não se trata de uma luta “entre carteiros e serviço de e-mail”. Não se trata de um combate entre a modernidade e os resquícios do passado. O serviço de táxi pode (e deve, digo eu) usar plataformas tecnológicas idênticas às Uber’s deste mundo. Se o fizer não deixará de estar sujeito às regras que conformam a actividade do serviço de transporte individual de passageiros. Logo, a questão é a de tratamento igual perante a lei no exercício diverso da mesma profissão.
Independentemente da opinião negativa que todos nós possamos ter sobre o estereótipo do “motorista de táxi”, julgo ser da mais elementar justiça a exigência de regras iguais para todos os que exercem a mesma actividade, quer do ponto de vista fiscal, quer do ponto de vista regulamentar.
Já agora, deixem que vos diga, que isto não significa que esteja do lado de gente que agride outros trabalhadores (tão explorados como eles), de gente que manda os motoristas da UBER para a terra deles (não sabia que existia uma terra de motoristas dessa multinacional) ou dos que sem saberem muito bem o que estavam a ali a fazer foram dizendo e fazendo coisas que iam retirando base de apoio ao que era essencial no protesto.
Não gostei mesmo nada de muita coisa que vi e ouvi durante aquela manifestação e, confesso, quase me apeteceu dizer “é bem feito, têm o que merecem”. Depois lembrei-me que apesar de não gostar do que via e ouvia isso não era o suficiente para defender que uma qualquer multinacional beneficiasse de regras diferentes para o exercício da mesma actividade.
Até para a semana
Eduardo Luciano (crónica na radio diana)