“Sede de justiça. Justiça exemplar. Condenar com brevidade. Onde há fumo há fogo. Deviam ser todos presos (ou mortos conforme a sanha de quem o diz). Eu cá sou contra a pena de morte, mas…”
Milhões de mensagens circulam nas redes sociais, escritas por gente que é incapaz de levantar o rabo do sofá para defender uma causa, exigem que se faça “justiça”.
Não que se cumpra a lei, isso exigiria que conhecessem a lei e isso dá uma trabalheira desgraçada, mas que se faça “justiça”. A sua “justiça”. Aquela que resulta da sua apreciação moral sobre o comportamento dos outros.
Sempre assim foi, é verdade. Mas passámos da afirmação à mesa do café, que apenas atingia a meia dúzia de ouvintes, à possibilidade de atingir milhares de pessoas no minuto seguinte.
Esta mudança que permite o acesso a uma audiência global e interactiva potencia o perigo do reconhecimento da razão que assiste a quem clama por “justiça”. Basta olhar para a capacidade de reprodução que têm as mensagens desse género e de como se tornam o espelho de opinião pública sobre o assunto.
É deste movimento de “indignação” e anseio por “justiça” que nascem os justiceiros. Os que acham que justiça é punir os que não se enquadram nas malhas apertadas da sua moralidade e que as garantias de defesa, são meros instrumentos para que os bandidos escapem impunes.
Pelo meio, o princípio da presunção de inocência é atropelado e deixa de fazer sentido. O julgamento social está feito por cada justiceiro e a condenação é certa.
Existem órgãos de comunicação social que julgam e condenam diariamente cidadãos, mesmo antes de serem presentes a um juiz. Recolhem as provas, julgam e condenam com a contribuição de comentadores pagos para darem credibilidade ao acto de “justiça”.
Este caldo, melhor, esta lama, costuma conduzir a fascismos de diversa índole que caiem sobre os defensores da justiça acima da lei e que só nesse momento percebem que o que andaram a exigir foi a mais pura arbitrariedade.
O populismo constrói-se assim. Simplificando conceitos, discutindo assuntos sérios com sentenças de duas linhas, vivendo no mundo do “prós e contras”.
A reflexão sobre o que se diz e o que se escreve, a capacidade de ler os argumentos do outro para depois contrapor com argumentos e convicções, foi substituída pelo seguidismo acéfalo de conceitos e teorias que, parecendo pretender transformar cada um em justiceiro dos tempos modernos, leva à mais pura manipulação que conduzirá à morte do Estado de direito.
E pelo caminho, cometem-se os mais variados crimes, sendo o que os da difamação e da injúria são o que estão mais na moda.
Até para a semana
Eduardo Luciano (crónica na radio diana)