Qual de nós nunca ouviu a frase “se fosse eu que mandasse…”, dita em tom de quem sabe mais que toda a gente, de quem é mais inteligente que dois terços da população mundial, de quem teve o azar de ninguém se lembrar de si para exercer aquele cargo de que dependia aquela decisão.
Erradamente e por preconceito, atribuímos essa expressão a pessoas que exercem profissões onde a conversa de “encher chouriços” é essencial para manter a comunicação com o cliente, quer ele queira ou não, seja na cadeira de uma cabeleireira, no interior de um táxi ou na mercearia do bairro enquanto se corta o bacalhau.
Esta semana foi o preconceito finalmente desmontado quando uma senhora produziu a afirmação: "se eu ainda fosse ministra das Finanças, garanto, esta questão não se estaria a colocar a Portugal neste momento", referindo-se à possibilidade de serem aplicadas sanções a Portugal por incumprimento das metas do deficit.
Ficou claro que a conversa de “encher chouriços” sobre o que aconteceria “se eu fosse…” não é apanágio desta ou daquela profissão ou extracto social, mas apenas muleta de quem, não tendo poder para decidir, pode dizer tudo o que lhe aprouver num exercício de faz de conta inconsequente.
Neste caso a proclamadora da afirmação tem toda a razão quando afirma que se ainda fosse ministra, a União Europeia não estaria a colocar a hipótese de aplicar castigos aos portugueses por causa do deficit excessivo, podendo usar como base do seu argumento o facto de sempre ter sido ultrapassado a meta do sacrossanto deficit e nunca no seu consulado ter Portugal sido alvo de qualquer sanção.
Também sabe a senhora que as razões para tal complacência se devem às certezas de Bruxelas que, com deficit excessivo ou não, o Governo de que a senhora fazia parte tudo faria para espremer os portugueses, que vivem ou viveram do trabalho, até às últimas gotas de sangue suor e lágrima e que por isso o caminho seria sempre o do sucesso… para alguns.
Correspondendo, por isso, à verdade a afirmação da senhora, não deixa de ser conversa de “encher chouriços”, tendo em conta que a senhora já não é, seja lá o que for.
Numa viagem de táxi mais longa ou numa espera mais demorada no cabeleireiro, a senhora poderia continuar o exercício do “se eu ainda fosse ministra”, afirmando que os rendimentos jamais seriam repostos, as horas de trabalho na função público jamais voltariam a ser trinta e cinco, a luta dos estivadores acabaria em despedimento colectivo, o ensino privado continuaria a ser escandalosamente financiado pelo Estado onde isso não é necessário, o buraco de três mi milhões na CGD não se descobriria, o serviço nacional de saúde continuaria a ser meticulosamente desmantelado e os Orçamentos de Estado continuariam a violar a Constituição.
O problema do exercício do jogo do “se eu fosse” é que não passa de um lamento sem consequência possível porque, de facto, não é.
Eu também gosto de brincar ao exercício do “se nós fossemos” e gosto de pensar que “se fossemos governo” a recuperação dos retrocessos impostos pelo governo PSD/CDS seria mais rápida e com mais ganhos efectivos para aqueles que por ele foram esmifrados.
Portanto, ainda bem que já não é, por vontade do voto dos portugueses, ainda que isso nos custe uma inqualificável chantagem sobre as opções que livremente tomámos.
Claro que lá em Bruxelas um qualquer eurocrata a viajar num qualquer táxi dirá, em conversa de “encher chouriços” durante uma viagem mais ou menos longa, “se fosse eu que mandasse voltava a colocar a Maria Luís Albuquerque como ministra das finanças do governo português”. Vale o mesmo do que quando eu digo “se eu fosse o Fernando Santos, punha o Renato Sanches a defesa direito”. Conversa de produzir enchidos… nada mais.
Eduardo Luciano (crónica na rádio diana)