Na sequência da última crónica, nesta semana continuarei a tratar o tema da oposição e peço emprestada ao Vergílio Ferreira a frase em que o filósofo constata «A pátria, como tudo, és tu. Se for também a do teu adversário político, é já problemático haver pátria que chegue para os dois».
A visão é tudo menos optimista sobre os destinos de um País em que a Democracia é representativa e assumida por Partidos. E, no entanto, é proferida por quem em épocas conturbadas do período pós-25 de Abril assumiu posições políticas e preferências ou, até talvez melhor, antipatias por certos Partidos políticos. Estou inclusivamente convencida de que anda para aí uma gente, que julga a Cultura uma coutada em que é reservado o direito à admissão por questões para além da própria Cultura e se prenderão com outros monopólios, e que menospreza um homem como Vergílio Ferreira e a sua grande importância cultural no nosso País, não porque ouse contestá-lo mas por saberem e apenas lhe reconhecerem, facciosamente, o, pelo próprio reconhecido e assumido, anti-Comunismo. Mas adiante, ou avante, que as palavras também podem ser usadas por todos quando significam o que querem mesmo significar.
O silogismo de Vergílio leva também à questão dos consensos que parece ter vindo a ser apanágio de um discurso de governação rapidamente esquecido pelos mesmos que passam depois à oposição, ou vice-versa. Dá mesmo vontade de exclamar: quem os viu e quem os vê?! Os adversários são, até etimologicamente, sempre oponentes e isso leva-nos muitas vezes a pensar e agir em muitas situações de acordo com o princípio de que se não se está a favor, se está contra. Mas esta posição, em Política mas não só, não pode ser absoluta. Sobretudo quando se joga este jogo em nome de outros e não por si próprio. Ou seja, quando se governa e não quando se governam.
Ora acontece que, se partirmos da base que temos para falar em governação e oposição no sistema democrático teremos de, obviamente, ir à raíz deste sistema político: a Democracia. A directa, muito rara, em que o povo, através de consultas populares, pode decidir directamente sobre assuntos políticos ou administrativos da cidade ou país, e a que chamamos por isso Democracia participativa, sem intermediários conhecidos (deputados ou vereadores, e noutros países senadores) mas com lobbies que se constituem mais ou menos formalmente; e a indireta, ou representativa, em que o povo também participa mas através do voto, elegendo os seus representantes que tomam decisões em nome daqueles que os elegeram. E é assim que chegamos à impossibilidade, a meu ver saudável, de haver uma Pátria única com esse sentido que se põe a jeito para que uma maioria pense e decida por todos. Atenção que a questão das maiorias absolutas também não me chocam, a partir do momento em que reconhecemos que os representantes nessas maiorias não respondem, nem correspondem a ideologias totalitaristas, sendo muitas vezes os Partidos que mais conflitos internos assumem que me deixam, apesar de tudo, mais descansada. Conflitos internos que, parece-me claro, se dirimem e resolvem internamente e com transparência.
Tudo isto é, como está bom de ver, trabalhoso e difícil. Ganha-se competências nesta área, não porque se queira muito, mas quando se assumem projectos de equipa e se é avaliado pelos membros dessa equipa antes de se ser avaliado pelos de fora que, tantas vezes, só depositam nessa equipa a sua esperança. E quando se consegue perceber o todo e optar com base em princípios flexíveis e em consonância com mais benefícios do que prejuízos, mas com limites de razoabilidade que, por vezes, nem sempre parecem logo benéficos e, sobretudo, quando incomodam poucos mas muito poderosos por outras razões para além da Democracia que é governar e fazer governar pelo Povo e para o Povo. Mesmo quando parece que o Povo, como diziam os outros, o que “quer é dinheiro para comprar um carro novo”. Um desabafo humorístico que não abona nada em favor de uma Democracia saudável e equivale ao outro lado que diz que “o que eles querem todos é tacho”.
E parece que chegámos à definição de Pátria que Vergílio Ferreira punha em causa: a do osso para que correm sete cães, ou o poleiro para pavões. Entre um e outro, parece haver ainda muito que aprender e ensinar sobre o que é e como se exerce o Poder. E a oposição, claro! E é por isso que nestas coisas do aprender e do ensinar, na Educação portanto, o investimento é prioritário e não se deve confundir nem com despesa, nem com negócio.
Até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira (crónica na rádio diana)