Passado meio ano de governação do Partido Socialista suportada no Parlamento pelos chamados Partidos da esquerda radical farei, em três partes e a começar hoje, algumas considerações sobre o que considero ser mais um aspecto da Democracia que merece algum investimento do cidadão contribuinte e votante, quanto mais não seja em atenção e atitude crítica.
Note-se que uma atitude crítica não significa aqui forçosamente discordar, mas sim formar uma opinião com o maior número de dados e a melhor informação possível, o que pode ser logo um princípio de “conversa” difícil. Mas antes de começar importa que eu faça uma declaração de interesses: o tema é a oposição e eu pertenço agora a esse lado do sistema político, no caso local, eleita como independente numa lista do Partido Socialista, sendo oposição do Partido Comunista e não, seguramente, numa mesma oposição do Vereador eleito pela coligação PSD/CDS. Situação que se prefigura estranha quando apenas fazemos comparações, pouco ponderadas, entre Partidos como se de Clubes se tratassem mas que, como associações de ideologia e acção políticas com princípios escritos em declarações com que os que neles militam se reveem e com responsabilidades na gestão da vida de todos nós, serão certamente muito mais do que lugares comuns de paixões atávicas.
Importa mesmo, e ainda, que se saiba que estou consciente de duas coisas: a primeira é a de que um eleito deve aos que o elegeram fazer cumprir os princípios com que concorreu às eleições, sendo que na oposição muito dessa acção não conseguirá ir mais além do que tentar que quem está na governação não tenha uma acção que se considere nefasta, sempre em relação aos princípios que se assumiram e que foram a votos, para os interesses dos cidadãos em geral; a segunda certeza que também tenho é a de que, na posição que ocupava na lista concorrente à governação do Município de Évora, os votos obtidos não chegaram para que eu tivesse sido directamente eleita, só tendo assumido as funções de Vereadora da oposição por renúncia ao cargo de quem estava antes. Estas questões que parecem pormenores não devem, no entanto e na minha opinião, ser esquecidas por quem no sistema eleitoral em vigor na nossa Democracia se desloque às urnas quando é chamado a fazê-lo. Somos tentados, de forma quase natural (não o sendo já que tudo é normalmente muito bem encenado para tal), a pensar que apenas votamos nos primeiros de uma lista. De facto, só ao cargo de Presidente da República cabe esse peso e responsabilidade solitária. Tudo o resto é trabalho de equipa, em que as lideranças, para o bem e para o mal, são no entanto fundamentais.
Para desenvolver este tema da oposição, e para cumprir o que no início desta série de crónicas que se vai aproximando dos tempos de vilegiatura, que é como quem diz em férias e ausente deste espaço da palavra em público, vou desde já, nesta crónica introdutória sobre o tema, citar não uma mas duas constatações de Vergílio Ferreira que me serviram de mote ao tríptico. Na primeira o filósofo e escritor diz que «A pátria, como tudo, és tu. Se for também a do teu adversário político, é já problemático haver pátria que chegue para os dois.». Na outra afirmação, não forçosamente aplicada à área da Política, Vergílio constata que «Não se tem simpatia se não houver seja o que for de admiração: tem-se apenas tolerância ou piedade.». Uma e outra serão, pois, o mote para as duas crónicas que se seguem.
Poderemos começar a adivinhar que isto da Política no século XXI afinal rima com toda a conversa dos afectos, das inteligências emocionais, uma espécie de descoberta e fúria de teorização e empirismo do que, há muito, as figuras que ficaram como proeminentes na História Universal do Homem, sabiam exactamente como ir gerindo consoante aqueles a quem se propunham servir. E como todos sabemos, na galeria dessas figuras há de tudo, do criminoso ao cidadão-modelo, e em matizes diferentes, e que se chegaram a sê-lo foi muito graças a acções e atitudes de quando, antes de governar, tiveram na oposição. Mas se não tivessem saído dela, provavelmente, não teriam tido a oportunidade de marcar a História. Para o bem e para o mal.
Até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira (crónica na rádio diana)