A contestação da classe profissional dos taxistas às condições de funcionamento de uma actividade muito similar que lhes faz concorrência foi sentida nas grandes cidades do nosso país na última sexta-feira. Em defesa dos seus interesses corporativos, tenta esta classe sensibilizar o legislador para que essa concorrência passe a ter as mesmas obrigações que ela.
Confesso que muita da argumentação contestatária utilizada me ultrapassa (em alta velocidade, como alguns destes profissionais, no seu exercício, cruzam as cidades ao serviço dos seus estimados clientes, a chocalhá-los bem e a buzinar a quem se lhes atravesse naquele rumo tão certo) e me faz parar (como quando, lá está, mais uma vez estes profissionais, no seu exercício, tantas vezes obrigam os outros automobilistas a parar atrás de si e a “aguentarem” porque estão a trabalhar, e os outros não?, e especam onde tem que ser…para eles). Mas dizia eu que, certa argumentação, me faz parar para pensar, pois parecia-me que será pela diferença que, em qualquer ramo de actividade, se faz a concorrência, oferecendo a quem a escolhe poder fazer isso mesmo: escolher. Pausa para dizer que sempre achei e acho muito hollywoodesco e divertido gritar na cidade “Táxi!”, mas que também me tenho adaptado muito bem aos gadgets electrónicos da comunicação sem fios que nos cabem no bolso e, não sem algum esforço, vamos tentando que caibam na bolsa.
Em frente ao microfone fomos ouvindo, ao longo do dia, diversas declarações de profissionais ao volante de táxis com conteúdo e tom diferentes umas das outras, a dar-nos mais um exemplo de como o ser humano se revela, enquanto indivíduo, diferente do outro seu semelhante em circunstâncias semelhantes e, mais curioso e fascinante ainda, se revela diferente de si próprio noutras circunstâncias. O que confirma que, de facto e como dizia pouco mais ou menos assim o Ortega y Gasset, o homem é ele próprio e a sua circunstância. A que eu acrescento, com outro nível mais coloquial pois, que a coerência é uma coisa tramada. E estou cada vez mais em crer que é, até, a coerência a nova virtude que a sociedade e cultura contemporâneas vão exigindo, ou pelo menos vão ponderando, já que são estas sociedade e cultura contemporâneas o onde e o quando todos vamos, felizmente, podendo ir dizendo quase tudo a quase toda a gente, submetendo-nos, consequentemente, a um muito maior escrutínio.
Mas voltando, para terminar, às contestações por uma legislação exigida por quem se sente ameaçado, presumo que mais pelos direitos que obtém do que pelos deveres a que é obrigado, ou não é assim? Eu cá quando me sinto ameaçada é porque acho que vou ser prejudicada nos meus benefícios e não nos meus malefícios, certo? Parece-me até que se há quem consiga ultrapassar situações incómodas sem ilegalidades, ou imoralidades (que é, ou devia ser, uma espécie de caminho coincidente do comportamento de cada um face ao legislado para todos), então é porque são um bom exemplo para melhorarmos as nossas próprias condições. Ou também não?
Bom, mas o Vergílio Ferreira também tem uma tirada muito interessante a propósito disto das leis e de quem elas servem. Diz então que: «As leis criam-se, como sabemos, segundo aquilo que nos interessa. Mas aquilo que nos interessa, como sabemos também, adianta-se sobre as leis. E então é preciso criar outras.» É só interesses, pelos vistos. De todos? Talvez. De alguns? Seguramente.
Até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira (crónica na radio diana)