Os poucos que me conhecem sabem que não deve haver coisa que me irrite mais do que um moralista. Pronto… um moralista indignado consegue irritar-me mais.
E nestas coisas do moralismo ofendido parece não haver fronteiras entre os que se afirmam de esquerda e os que se afirmam de direita, lançando-se todos numa espécie de cruzada contra comportamentos que não se enquadram nos elevados padrões da sua moralidade, transformada na única moral aceitável.
Vem esta conversa a propósito do grande escândalo em torno de João Soares, que o levou a demitir-se do cargo de ministro.
Antes de mais deixem-me dizer que não nutro qualquer simpatia pessoal pela figura de Soares (pai ou filho) e que não tenho opinião particularmente positiva sobre o seu exercício do cargo de ministro.
Esta apreciação não me impede de achar que o cidadão Soares tem os mesmos direitos que são atribuídos às pessoas que supostamente ameaçou e que possa reagir da forma que entender assumindo, naturalmente, as consequências do que escreveu.
Tudo se resumiu, de facto, a uma reacção infantil a um artigo que o próprio considerou ofensivo da sua dignidade e com o qual a generalidade dos cidadãos nada têm a ver.
É razão para ser “obrigado” a deixar o cargo? Não me parece e ainda me parece menos que gente que passa a vida nas redes sociais a insultar, ameaçar, desejar a morte a cidadãos que, por qualquer razão não gostam ou defendem ideias diferentes, de repente achem particularmente gravoso que alguém ameace com umas chapadas uns cronistas que escrevem num qualquer jornal.
Dir-me-ão que o homem é ministro e que o ministro não se pode dar ao luxo de tal destempero de linguagem e atitude, o que me leva a concluir que, pelo facto de estar a exercer funções públicas, está inibido de alguns direitos básicos como, por exemplo, a liberdade de expressão. Será isto razoável? A mim não me parece.
De repente apareceram virgens ofendidas que tomaram as dores dos dois cronistas, alegando que estava em causa o direito à opinião e à liberdade de expressão, por causa de umas infantis chapadas prometidas por alguém que se irritou com o que leu a seu respeito, como se o “ameaçador” tivesse o poder de calar os ditos cronistas.
Gente que resolve as birras dos filhos à chapada, de repente acha intolerável que um adulto prometa umas chapadas a outro adulto num contexto mais literário que literal.
Ah… mas o homem é ministro. E depois?
A maior parte destes defensores da moralidade, se fossem mimoseados com metade do que Vasco Pulido Valente escreve semanalmente, estariam a dizer o que costumam dizer sobre os políticos de que não gostam, seja justo ou injusto, verdade ou mentira.
Lembram-se daquele ministro da economia que foi demitido por ter chamado cornudo a um deputado em plena Assembleia da República? Foi bem demitido… mas pelas razões erradas. Deveria ter sido demitido pelas desgraçadas opções políticas que prosseguiu e não porque se irritou e fez um gesto que os miúdos faziam na escola do meu tempo.
Bem sei que não será esta a minha crónica mais consensual, mas irritam-me tanto os moralistas indignados que não posso deixar de exprimir esta opinião. Que é apenas a minha a opinião. Longe de mim querer que passe a ser doutrina oficial e que os que defendem o contrário sejam condenados aos suplícios da “novíssima” inquisição.
Faço minhas as palavras colocadas na boca de Adriano, por Marguerite Yourcenar: “A moral é uma convenção privada; a decência é uma questão pública”.
Eduardo Luciano (crónica na radiodiana)