Nos contos de Natal está frio lá fora e quente dentro das casas e os pobrezinhos são muito felizes em torno da ausência de bens materiais.
Nos contos de Natal não há diferenças de classe porque cada um é feliz à sua maneira e quem conta os contos de Natal valora sempre a bondade e o desejo de partilha de forma diferente, para que os pobres sejam muito mais felizes que os ricos, nesse singelo dia.
Não há conto de Natal onde os ricos sejam heróis, excepto naqueles em que o rico, num rasgo de profunda bondade, acende a lareira da casa do pobre de estimação ou dá o presente sonhado pela criança andrajosa com que se cruzou nesse dia de paz e harmonia.
Os contos de Natal são o único lugar onde os pobres continuam a ser pobres e não passam a “carenciados”. Fazia lá sentido um conto em que se valorizasse a virtude da “carência” em vez da virtude da pobreza.
Sim, porque nos contos de Natal a pobreza é a virtude suprema que permite aspirar a um estado de felicidade que só os despojados podem perceber e que só por absoluta falta de jeito não percebem nos restantes dias do ano.
A minha prima Zulmira acha que os contos de Natal são encomendados pelos ricos para que haja um dia do ano em que os pobres tenham pena dos seus corações empedernidos.
Deve ser por isso que os tempos vão mudando, as formas de viver se alteram, os brinquedos sofisticam-se e os hábitos alimentares se alteram, mas o guião do conto de Natal é sempre o mesmo e o infeliz Ebenezer Scrooge tem sempre o mesmo pesadelo nessa noite, para compensar os sonhos das outras noites.
Neste Natal o conto manteve a mesma estrutura narrativa, mas talvez tenha ido um pouco mais longe. Acho que é a primeira vez que a malta que costuma ser feliz na noite de Natal se junta para fazer com que o infeliz Ebenezer possa sentir o calor da solidariedade, da fraternidade, da compaixão, do desapego aos bens materiais, contribuindo modestamente com mais de três mil milhões de euros para o seu santo Natal.
Ficaremos todos mais pobres afirmam uns mal dizentes furiosos com a solidariedade forçada, sem perceberem que se trata de um contributo para sermos mais felizes nos próximos natais, que passaremos cheios de compreensão para com a tristeza e infelicidade daqueles que têm de viver com os bolsos cheios dos recursos que foram desviados da saúde, da educação, da cultura, da protecção social e de outras coisas que só servem para que não percebamos as virtudes do Natal dos pobres.
“O gajo está azedo”, dirão alguns que ainda estão a ouvir ou a ler estes disparates. Nada disso, acreditem. Estou só um bocadinho farto do Conto de Natal. Ou melhor, das consequências do Conto de Natal.
Tenham uma óptima noite, mas não se esqueçam que o Scrooge não mudou de essência e no dia 26 já lhe passou o efeito do espírito de Natal.
Até para a semana
Eduardo Luciano (crónica na radio Diana)