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A CDU, pela voz de Luís Garcia, justificou assim o voto favorável da sua bancada:
O membro eleito pelo Bloco de Esquerda na Assembleia Municipal de Évora,
Bruno Martins"
"DECLARAÇÃO DE VOTO apresentada na assembleia municipal pela bancada da CDU
Venda de Terrenos para a implantação de Centro Comercial
Venda de Terrenos para a implantação de Centro Comercial
A cidade é uma espécie de praça enraizada no tempo. Praça cheia de pessoas que se cruzam e encontram, trabalham e divertem, criam, amam, sofrem, e desencontram. Praça onde pairam finas poeiras intemporais e invisíveis que envolvem maneiras de agir, pensar e sentir. Esta cidade foi, é e será um ponto de chegada e de partida para o mundo. Enfeitiçado pela perenidade que se sente aqui, neste lugar, disse Saramago:
“Porque Évora é principalmente um estado de espírito, aquele estado de espírito que, ao longo da sua história, a fez defender quase sempre o lugar do passado sem negar ao presente o espaço que lhe é próprio, como se, com o mesmo olhar intenso que os seus horizontes requerem, a si mesma se tivesse contemplado e portanto compreendido que só existe um modo de perenidade capaz de sobreviver à precariedade das existências humanas e das suas obras: segurar o fio da história e com ele bem agarrado avançar para o futuro. Évora está viva porque estão vivas as suas raízes.”
Não, não é a ideia de um centro comercial que colaremos ao fio da história para vislumbrar os caminhos do futuro. Um centro comercial é uma espécie de santuário da sociedade de consumo em que vivemos. Atrai gente pelo ritual de comprar ou apenas de experimentar a ilusão de vir a ter… objectos.
É inegável o carácter utilitário.
Como já todos percebemos não são as autarquias que licenciam os centros comerciais. É absurdo, pelo impacto que têm sobre o ordenamento do território, mas é assim.
A localização do centro comercial, permitida pela venda de terrenos que estamos a apreciar, é a mais próxima possível do centro histórico. As vantagens devem ser aferidas tendo como referência as desvantagens de uma localização mais distante. Nessas circunstâncias o Centro Comercial seria uma centralidade preocupante, pelo efeito de sucção e concentração de interesses e pessoas. A proximidade transforma uma potencial centralidade autónoma numa centralidade intermédia complementar, diluindo o efeito de esvaziamento do centro histórico.
A primeira opção decorre do livre arbítrio dessa outra entidade sacralizada, o mercado. A segunda decorre da vontade do proprietário dos terrenos, a autarquia.
É claro que o mercado determina a suposição de viabilidade por parte dos investidores. Haverá um centro comercial em Évora se isso for avaliado como um negócio rentável.
A venda dos terrenos permite portanto à autarquia contratualizar um conjunto de mecanismos de salvaguarda, expressos no caderno de encargos.
A localização prevista define-se como uma centralidade intermédia de inter-relação entre a cidade intramuros e a zona norte da cidade. Desta forma atenua-se aqui o bloqueio físico na relação entre cidades constituído pelas duas cinturas de muralhas: a seiscentista e a mais recente, de asfalto.
É claro que era fantástico como nova marca do território que o projecto fosse de um dos pesos pesados mundiais da arquitectura, como é por exemplo um equipamento destes em Oviedo assinado por Santiago Calatrava.
Para além de todas as medidas de salvaguarda, que constam no caderno de encargos, é fundamental aumentar a atractividade do centro histórico tornando mais público, isto é, mais vivido, o espaço público, com uma abordagem de acupunctura urbana que permita a alteração de usos e acrescente criatividade ao condomínio de vida, de trabalho e de lazer, pela reabilitação de velhos e novos equipamentos, capazes de desenvolver efeitos âncora potenciadores de pequenos investimentos, atraindo assim residentes temporários e/ou permanentes, utilizadores e públicos.
Rede museológica, espaços para residência e incubação de actividades criativas, teatro, salão central, celeiros, equipamentos municipais devolutos, mas também lojas âncora no eixo comercial que vai das portas de Avis ao Rossio, são alguns do potenciais elementos de reforço da atractividade do Centro Histórico pelo reforço de funções que aumentam a qualidade de vida das pessoas que habitam temporária ou permanentemente em Évora.
Assim, sem que isso constitua uma adesão incondicional ao imaginário que suporta centros comerciais e sem determinar uma direcção única de voto, a bancada da CDU maioritariamente votará a favor da colocação à venda dos terrenos por via de concurso público com as regras aqui propostas."
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Também o Bloco de Esquerda apresentou uma declaração de voto. Contra a venda do terreno municipal, pela voz do seu eleito Bruno Martins:
"Posição do Bloco de Esquerda sobre a Venda dos Terrenos às Portas de Aviz para Viabilizar um Mega Empreendimento Comercial
Tal como tivemos oportunidade de, reiteradamente, expor publicamente e comunicar ao executivo municipal em Agosto de 2015 por escrito, o Bloco de Esquerda opõe-se à venda de terrenos municipais situados às Portas de Avis que viabilizam directamente a construção de uma Grande Superfície Comercial (que de outra forma não se poderia, ali, localizar), servindo assim a interesses provados e comprometendo definitivamente bens patrimoniais colectivos de enorme valor, o desenvolvimento sustentado da cidade e do seu comércio, e contribuindo desta forma para matar a vida no Centro Histórico de Évora, património da humanidade, assim classificado pela UNESCO há quase três décadas.
A instalação de centros comerciais, assentes no princípio da concentração, num único local, do comércio, sustentado em lojas de grandes cadeias e supermercados, decorrência da concentração financeira a que assistimos, é um modelo que tudo seca à volta, que descaracteriza e apaga a identidade das cidades e das suas populações, o que no caso de Évora constitui um verdadeiro atentado ao património e aos seus cidadãos.
Consideramos que sustentar uma decisão favorável à venda de terrenos municipais para a viabilização de um Centro Comercial nesta zona do Concelho em elementos falaciosos é grave, pouco sério e pouco digno de um poder local que deve defender o interesse das populações e o futuro do Concelho. Também a apresentação de uma proposta num quadro de inevitabilidade merece o nosso maior repúdio, fazendo-nos lembrar um passado muito recente em que as inevitabilidades apenas constituíam uma perigosa ferramenta política para destruir o bem comum.
Vamos à análise dos factos:
1) Não é sério sustentar a decisão da localização de um Centro Comercial às portas da Cidade em conclusões retiradas de um estudo feito em 2007, sobre a instalação de grandes superfícies comerciais em Évora. Não é sério porque todas as circunstâncias e pressupostos se alteraram. Não é sério porque agora temos um caso concreto numa localização exacta. Existem, hoje, várias grandes superfícies comerciais no Parque Industrial e à volta da cidade que à época não existiam; existe uma outra licença válida para um Centro Comercial no Parque Industrial, cuja construção se encontra a meio e que se enconrtra parada, e existem novos Centros Comerciais num raio de 100 km. Após um ciclo de conferências e debates o Grupo Pró-Évora veio publicamente defender o que o Bloco de Esquerda defendeu nesta Assembleia em Abril deste ano: a necessidade imperiosa de actualizar o estudo de 2007, permitindo uma avaliação actual e objectiva dos impactos comerciais, económicos e sociais que advêm da instalação de um mega empreendimento comercial junto ao Centro Histórico e naquela localização exacta. Lamentamos que a nossa proposta de Abril tenha sido recusada nesta Assembleia, mas estamos dispostos a recolocá-la em cima da mesa, caso exista uma maioria nesta Assembleia que queira previnir antes de remediar.
2) Não é sério dizer que a Câmara Municipal não tem recursos nem competências para sequer influenciar a eventual intenção de construção de um Centro Comercial. O que está em causa é o facto de estarmos a analisar a venda de terrenos municipais para a construção de um centro comercial junto ao Centro Histórico classificado como Património da Humanidade. Dizer que pelo menos aqui podem influienciar alguma coisa é manifestamente pouco para uma gestão que se quer competente e responsável. É sobre a instalação ou não de um empreendimento comercial junto às muralhas da cidade que estamos a falar. É sobre esta questão que somos chamados a decidir. É sobre esta espécie de cheque em branco com algumas condicionantes que não emergem de qualquer estudo actualizado que nos querem comprometer.
3) Parece um pormenor, mas não é. A Câmara Municipal tem assento na Comissão de Autorização Comercial e nesse sentido não só pode influenciar as decisões, como tem obrigação de pugnar contra eventuais decisões que afectam negativamente o Município e os munícipies. Quando fundamenta “as suas decisões” em falta de capacidade para influenciar terceiros, torna legítimo que perguntemos então qual o seu papel.
4) A população e comerciantes presentes nas audições públicas promovidas pela Câmara Municipal não se mostraram favoráveis à venda dos terrenos municipais para instalação do Centro Comercial nas Portas de Avis, realçando a necessidade de se perceber os reais impactos. Estas audições foram tidas em conta pelo executivo?
5) Convém acrescentar que a instalação de um centro comercial em terrenos municipais às Portas de Aviz compromete definitivamente a adequada fixação da Zona Especial de Proteção, que, no caso de Évora, enquanto Património da Humanidade, é obrigatória e que infelizmente continuar por fixar, apesar de decorridos dois anos sobre a gestão deste executivo.
6) O parecer do Grupo Pró-Évora é agora conhecido. Infelizmente nem sequer temos acesso a um parecer das entidades responsáveis pela Cultura ou da Comissão Municipal de Património. Seria pelo menos prudente ter em conta estes pareceres. Parece que não partilha desta opinião o executivo.
7) Resta-nos concluir que esta decisão se baseia apenas no aspecto financeiro imediato? Na necessidade urgente de encaixar alguns milhões nas contas da autarquia? E a visão macro? E a estratégia de desenvolvimento?
Por todas as razões acima enunciadas votaremos contra a venda do direito de propriedade ou constituição do direito de superfície destes terrenos, apelando à consciência e à prudência de cada um dos eleitos e eleitas desta Assembleia.
Bruno Martins"