Há quem afirme que o ciclo político que agora se iniciou será marcado por uma extrema instabilidade. Um visão patrocinada por todos aqueles que inverteram as regras da democracia nos últimos anos para destruir o nosso país e os pilares constitucionais que o suportavam.
Eu olho para este ciclo com enorme esperança, não porque tenha total confiança no actual governo, mas porque o centro da política está onde nunca deveria ter saído: na Assembleia da República.
As eleições de 4 de Outubro tiveram uma enorme importância. Em primeiro lugar, porque foram bastante pedagógicas: uma parte importante dos eleitores perceberam que não votam para eleger um governo, mas para eleger deputados e deputadas, e que é das maiorias que se formam que emerge um governo, ou melhor um programa de governo, que é ou não viabilizado na Assembleia. Em segundo lugar, porque os resultados pressionaram o PS a negociar com os partidos à sua esquerda para ver o seu programa aprovado. Não estou com isto a desvalorizar a posição do PS. É bem certo que poderiam não o ter feito e ter viabilizado um governo de direita, pelo que não posso deixar de elogiar a sua atitude e capacidade de negociação à esquerda.
A negociação será permanente e isso só pode ser positivo. Da negociação prévia, foram alcançados acordos muito importantes, que terão um impacto directo nas nossas vidas e que poderão travar o ciclo de empobrecimento que estava em curso. Muitas mais conquistas serão possíveis, se todos os partidos intervenientes tiverem sentido de responsabilidade e pensarem na vida concreta dos cidadãos e cidadãs do nosso país.
Não, obviamente que este não é o meu programa de governo, mas isso não implica que não considere que é possível, com este governo, trazer mudanças. Serão necessárias maiores mudanças? Sim. Será necessário enfrentar o poder da finança e os tratados europeus e renegociar a dívida para permitir ir mais longe do que devolver o que foi retirado? Claro que sim. Mas quem pensa desta forma tem de perceber a correlação de forças existente neste momento na Assembleia da República.
Temo que Jerónimo de Sousa não queira ou não tenha percebido esta correlação de forças. Dizer que o Bloco de Esquerda desistiu do aumento do salário mínimo para os 600 euros e que o PCP não desiste, traduz um discurso destrutivo e não construtivo. Se Jerónimo não sabe, que fique claro que o Bloco não desistiu de nada, e especialmente não desistiu dos portugueses. Claro que consideramos que deveria haver o aumento imediato para os 600 euros. Mas a negociação permitiu que exista um aumento faseado em 3 anos até este valor. O aumento imediato só aconteceria num quadro macroeconómico do Bloco ou do PCP, mas temos de ter a humildade democrática de reconhecer que não temos, ainda, essa força e essa aposta maioritária dos portugueses. Assim sendo, temos duas opções: ou continuamos a defender o que sempre defendemos, mas mostrando capacidade de negociar para introduzir mudanças; ou continuamos a defender o que sempre defendemos no canto dos nossos confortáveis 10%, deixando o país cair numa desgraça ainda maior.
Estamos, de facto, numa altura de escolhas, em que cada dia conta e em que cada escolha mostra de que lado estamos e qual a responsabilidade que assumimos na vida política.
Até para a semana!Bruno Martins (crónica na rádio diana)